Outro dia no hospital em conversa rotineira sobre médicos com dirigente da entidade ouvi uma frase que me obrigou a refletir sobre a profissão e de como somos vistos na sociedade. “O médico quando entra na faculdade pensa que é Deus, e quando se forma tem certeza”. Após seis anos de formação na graduação, com atividades didáticas, e práticas ambulatoriais e hospitalares, esta é uma fase de reconhecimento familiar e de toda a sociedade. Nesta fase as perspectivas se renovam a cada dia, acrescidos de novos conhecimentos gerais, por vezes de um aspecto clínico inusitado ou de uma cirurgia inovadora, enfim uma fase de euforia acadêmica, e quiçá talvez, a melhor época da vida de muitos. Passada esta fase e ao se formar segundo a legislação do país, o médico está pronto para tudo e acima de todos. Então, muitos até se arriscam e passam a atuar em vários rincões de todo o país com dificuldades, sem recursos com muitos riscos e inexperiência. No entanto, a maioria procura complementar os seus conhecimentos buscando em locais com expertise e profissionais mais competentes e experientes obter uma segurança acadêmica e cientifica maior para o seu exercício profissional. Neste ponto o médico passa a observar a sua limitação, e tem a certeza de que ela o irá acompanhar por toda a vida na atividade médica rotineira. Passa a duvidar de condutas, medicamentos e práticas ditas como salvadoras, mas que não servem para todos os pacientes, e que o consenso ou diretriz feitas por seus pares não são definitivas e as vezes insuficientes para o seu paciente em particular. Ao envelhecer na profissão pode passar a ser reconhecido na sociedade, entre seus pares, cientificamente e academicamente. Aborda pontos polêmicos, assume posições e observa que muitos pacientes seus são vencidos pelo tempo ou pelas doenças. Sente-se lá no fundo por vezes incompetente. E aí eis que uma doença o atinge. Atônito e dependente conclui que é falível e crítico passa a ter certeza de que é humano. E voltando ao aforisma inicial, o médico então passa a ter certeza que não é Deus, e sim uma pessoa falível, vaidosa e até egocêntrica e que isto enfim de nada lhe servirá pois é só mais um dos humanos de passagem pela vida que um dia terminará. Agradeço ao Fabiano e a Rita Fernandes pelo convite para escrever aqui periodicamente. Procurarei com este espirito observar nuances e aspectos médicos que possam servir para que todos os leitores tenham informações sobre avanços, e dos aspectos gerais da profissão de médico e da medicina. Milton Artur Ruiz Médico, Coordenador da Unidade de TMO e Terapia Celular do Hospital Infante Dom Henrique da Associação Portuguesa de Beneficência de São José do Rio Preto , SP. Ex – Professor de Hematologia/Hematologia FM USP SP.