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Em ensaios de laboratório, psicodélicos mostraram ação similar à de antidepressivos no sistema nervoso central

Estudo da Universidade de Helsinki, na Finlândia, com participação de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP mostra que o LSD e a psilocina agem sobre o sistema nervoso central de forma similar aos medicamentos antidepressivos, porém com bem mais eficiência. Os experimentos com as drogas psicodélicas foram feitos em cultura de células e também com animais. Isso significa que os resultados, promissores, estão longe de ser conclusivos – mas representam mais um passo na busca de desenvolver, com base nessas moléculas, medicamentos que atuem no sistema nervoso sem provocar os efeitos alucinógenos das duas drogas.

Atualmente, há pesquisas clínicas (com pacientes humanos) preliminares que testam os efeitos da dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e da psilocina no tratamento da depressão, mas o uso fora deste contexto ainda é restrito, pelos efeitos colaterais e a necessidade de acompanhamento profissional intensivo devido ao potencial alucinógeno.

“A definição do que são drogas psicodélicas está ainda em debate. Até o momento, talvez o mais aceito seja a definição farmacológica que propõe que os psicodélicos são drogas que conduzem a alterações do pensamento e percepção, como alucinações auditivas e visuais, principalmente pela ativação dos receptores serotoninérgicos [do neurotransmissor serotonina] 5HT2a no sistema nervoso central”, declara ao Jornal da USP o pesquisador Cassiano Diniz, que é coautor do trabalho publicado na última semana no site da Nature Neuroscience. Após o doutorado na FMRP, Diniz participou da pesquisa quando estagiou nos laboratórios da Universidade de Helsinki como pós-doutorando.

“O LSD  é uma droga sintética obtida a partir de um alcaloide encontrado no fungo Claviceps purpurea, sintetizada pelo químico suíço Albert Hofman, em 1943. Já a psilocina é o metabólito ativo da psilocibina, molécula encontrada em diversos tipos de fungos conhecidos como ‘cogumelos alucinógenos’, entre eles o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana, este último do qual Hofman isolou ambas as moléculas em 1958”, conta Diniz.

“Em 2021, havíamos publicado um trabalho na revista científica Cell mostrando que os antidepressivos se ligam ao receptor Tropomyosin receptor kinase B (TrkB), favorecendo o efeito do ligante endógeno Brain-derived neurotrophic factor (BDNF)”, relembra o cientista. “Estudos clínicos preliminares sugerem que psicodélicos como o LSD e a psilocina têm um grande potencial terapêutico como drogas antidepressivas de ação rápida e sustentada. Além disso, experimentos com animais demonstram que, assim como observado com os antidepressivos, a formação de novas sinapses induzidas com essas drogas psicodélicas são importantes para os efeitos terapêuticos e também requerem a ação do BDNF sobre o TrkB.”

Mecanismo de ação

O primeiro objetivo do trabalho foi verificar se psicodélicos como o LSD e a psilocina também atuariam diretamente sobre o receptor TrkB. “Por meio de ensaios in vitro com diferentes métodos, confirmou-se que ambos os psicodélicos se ligam com alta afinidade ao TrkB”, relata Diniz. “Porém, comparado com a fluoxetina, um medicamento usado no tratamento da depressão, os detalhes de ligação ao TrkB são um pouco diferentes e, ao contrário dos antidepressivos cuja interação com o TrkB é baixa, surpreendentemente a afinidade do LSD e da psilocina com o TrkB é mil vezes maior.”

Concluída a primeira etapa com sucesso, foi estabelecida uma nova meta, confirmar se de fato o potencial terapêutico de tais drogas depende desse novo mecanismo de ação. O pesquisador conta que, inicialmente, em experimentos com cultura de neurônios foi observado que tanto o LSD quanto a psilocibina induziram a processos que indicam a formação de novas sinapses, regiões de comunicação entre neurônios. Os processos foram uma maior arborização dendrítica, isto é, ramificação das projeções dos neurônios, e a formação de novos espinhos sinápticos [partes da membrana das células do sistema nervoso que concentram a transmissão de informações].“Estes resultados foram similares aos observados com os antidepressivos, e cujo efeito confirmamos depender notoriamente da ação direta das drogas sobre o receptor TrkB e do BDNF”, afirma o pesquisador.

“Posteriormente, estudos de comportamento animal demonstraram que a ação direta do LSD sobre o receptor TrkB diminuiu o tempo de imobilidade no teste do nado forçado, um efeito sugestivo de ação antidepressiva, e também reforçou a memória de extinção [aquisição de nova memória que inibe respostas neutras a eventos que causam medo], efeito este similar ao observado quando os camundongos são tratados com antidepressivos”, aponta Diniz. “De maneira geral os dados desse novo artigo expandem os resultados do artigo da Cell, pois, assim como foi observado com os antidepressivos, os psicodélicos também se ligam ao TrkB e estabilizam a sua estrutura tridimensional, permitindo ao BDNF uma atuação mais eficiente”.

Efeito terapêutico possivelmente independe do efeito alucinógeno

De acordo com o pesquisador, inesperadamente, nenhum efeito do LSD e da psilocina sobre a plasticidade neuronal ou nos testes comportamentais foi revertido com o uso de uma substância antagonista de receptores 5HT2a. Porém, esta mesma antagonista reverteu a capacidade do LSD de induzir o head-twich response, comportamento de chacoalhar a cabeça comumente observado associado com os efeitos alucinógenos dos psicodélicos em camundongos. “Esses dados sugerem que o mecanismo associado ao efeito terapêutico dos psicodélicos seria via TrkB e, portanto, independente do mecanismo associado com o efeito alucinogênico, via 5HT2a”, observa o pesquisador. “Os resultados abrem uma grande oportunidade para o desenho racional de medicamentos com base na estrutura de moléculas psicodélicas, e cujo intuito seja o de construir moléculas que agem com alta afinidade sobre o receptor TrkB, mas não sobre o receptor 5HT2a, e passem facilmente a barreira hematoencefálica [estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central].”

Diniz ressalta que, embora tenham um grande potencial, há ainda grandes dificuldades com o uso dessas drogas para tratar a depressão. “Primeiro, o tratamento seria limitado a pessoas que não tenham qualquer histórico familiar de transtornos como esquizofrenia ou bipolaridade, pois essas drogas poderiam desencadear o início ou a piora do quadro clínico em questão”, afirma. “Segundo, a ação potencial sobre os receptores 5HT2b periféricos poderiam desencadear, em longo prazo, problemas cardíacos. E terceiro, devido ao potencial alucinógeno, o uso requer tratamento em ambiente ambulatorial com acompanhamento profissional, o que encarece o tratamento e dificulta o acesso à população em geral. Portanto, embora estudos clínicos preliminares tenham sido realizados a fim de se testar a eficácia e eficiência no tratamento da depressão, essas drogas ainda não são amplamente usadas na clínica terapêutica.”

“Por mais que os psicodélicos sejam eficazes e promissores na terapêutica clínica, há uma grande limitação para o seu uso cotidiano e doméstico sem uma supervisão médica e psicológica mais elaborada”, enfatiza Cassiano Diniz. “Portanto, há ainda uma grande necessidade de se buscar drogas com melhores perfis terapêuticos. Embora seja um trabalho de pesquisa básica, o nosso estudo é uma luz de esperança na busca de melhores tratamentos para transtornos psiquiátricos, incluindo a depressão”.

O primeiro autor do artigo, Rafael Moliner, é aluno de doutorado na Universidade de Helsinki (Finlândia), orientado pelo professor Eero Castrén. A pesquisa teve a colaboração de outros dois brasileiros, Caroline Biojone e Plínio Casarotto, ambos egressos do Departamento de Farmacologia da FMRP, e que durante o desenvolvimento do trabalho eram contratados como pesquisadores pela Universidade de Helsinki. Diniz esteve em Helsinki como pesquisador pós-doutorando com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e atualmente é pesquisador na Universidade da Califórnia em Davis (Estados Unidos). Também participaram do estudo pesquisadores das Universidades de Valencia (Espanha), de Jyvaskyla (Finlândia), do Instituto Shemyakin-Ovchinnikov de Química Bio-orgânica, do Instituto de Física e Tecnologia Dolgoprudny (ambos na Rússia), além do Departamento de Física da Universidade de Helsinki, responsável pela modelagem molecular.

Matéria – Jornal USP – Texto: Júlio Bernardes

Fonte: Newslab

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