Profissional da Saúde pode se negar a atender paciente?

0
85

Por envolver tema delicado (saúde) é corriqueiramente subentendido que a negativa de prestar atendimento pelo profissional significaria, automaticamente, omissão de socorro. Contudo, diferentemente desse pensamento comum, é ao médico e ao dentista lícito sim, por exemplo, negar atendimento a pacientes em determinadas situações, sem que lhe seja atribuído o crime omissão de socorro ou pedidos de indenizações.

Essas possibilidades mostram-se bastante prática quando nos deparamos com pacientes desrespeitosos, que ficam exigindo tratamento a qualquer custo, opondo-se à terapêutica prescrita pelo profissional de saúde, ou que insistem em enviar mensagens de texto (whatsapp) rotineiramente e incansavelmente, sem que haja necessidade.

Assim, os motivos para negativa de atendimento podem ser diversos, sejam por discordâncias terapêuticas ou desentendimentos e/ou diferenças de crenças religiosas, o que afeta a relação profissional/paciente, de modo que o profissional de saúde escolha não mais prestar a assistência àquele indivíduo.

Tais situações ocorrem em virtude de uma quebra da confiança na relação, estando o profissional autorizado a romper o vínculo com o paciente.

Assim como o paciente possui autonomia sobre si, como regra geral, decidindo, quando consciente, sobre quais tratamentos aceita se submeter, o profissional também possui autonomia para definir quando irá atender o paciente, mas desde que sejam observados alguns critérios, especialmente o de urgência e emergência.

Em situação em que não haja risco para o paciente e na qual exista outro profissional capacitado para atendê-lo, é permitido ao médico/dentista recusar ou renunciar a continuidade no atendimento, solicitando ao paciente que procure outro profissional. Portanto, se inexistente qualquer situação de urgência ou emergência, o profissional está seguro em romper o vínculo com o paciente, não tendo que se falar em omissão.

Podemos citar, por exemplo, a objeção de consciência de ginecologista que, por ser católico, se nega a prescrever anticoncepcional à paciente que exige referido medicamento. Nesse caso, não há qualquer problema em negar a prescrição por motivo de foro intimo, uma vez que o fármaco pode ser obtido pela paciente por outros profissionais.

Mas tome cuidado, a objeção de consciência não serve para se imiscuir de responsabilidades gerais, especialmente profissionais que trabalham em clínicas, hospitais, casas de repouso, ou qualquer outro local que se lide com a saúde; seu vínculo empregatício pode não permitir esse argumento para certas questões. É o que aconteceu quando um colaborador argumentou que não iria se submeter à vacinação contra o vírus Sars-CoV-2, COVID-19 por objeção de consciência.

Nessa situação, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região considerou correta a dispensa por justa causa de um trabalhador que se recusou a realizar a vacinação justificando sser algo que que afetaria seu íntimo[1].  No caso, o colaborador afirma que trabalhou para a empresa como recepcionista de hotel e que teria sido dispensado por justa causa, em razão da recusa em tomar a vacina contra a COVID-19.

Os desembargadores entenderam que a objeção de consciência não teria validade, sendo que no caso concreto foi demonstrado que o regulamento interno da empresa previa o dever dos empregados de apresentarem comprovante de imunização de vacinas distribuídas de forma universal e gratuita que compõem o Programa Nacional de Imunização.

Portanto, o profissional não pode apresentar o argumento de objeção de consciencia para evitar quesões complexas e delicadas a todo tempo, devendo ser avaliado caso a caso.

Feita a supramencionada ressalva, quanto à possibilidade de negativa pelo profissional perante seu paciente reitera-se que, caso se verifique situação de urgência ou emergência e seja o profissional o único capacitado para socorrer e estabilizar a saúde do paciente, a negativa é proibida, podendo responder judicialmente em ações de reparações de danos e ações penais, bem como ser responsabilizado eticamente perante o Conselho Profissional.

Um caso importante de menção é que se sucedeu no Estado do Sergipe, em que a defensoria pública impetrou habeas corpus objetivando uma autorização judicial para a interrupção da gestação. Em sede de decisão judicial, o juiz entendeu ser possível a realização do aborto, tendo concedido a ordem para que fosse realizado o procedimento[2].

No entanto, o procedimento não foi concretizado, haja vista a objeção de consciência dos obstetras, tendo sido a paciente orientada a discutir o caso sobre o quadro clínico e seu seguimento. Em um relatório técnico juntado no processo, constatou-se que após discussão sobre o quadro da paciente, os profissionais perceberam que a ordem judicial foi embasada em informação equivocada de que “não há outro meio de salvar a vida da gestante” com Hipertensão Intracraniana Idiopática (HII). E que o quadro apresentado pela paciente não tem embasamento técnico-científico para interrupção da gestação de um feto vivo.

E ainda, de forma técnica, a equipe médica informou que a HII durante a gestação não tem mostrado aumento do risco de abortamento espontâneo, e sua coexistência não tem sido associada a piora no resultado da gestação.

No caso, mesmo diante da ordem judicial, os profissionais optaram por não realizar o procedimento, e ainda, a paciente, diante da objeção dos médicos da Maternidade em realizar o procedimento, foi orientada a tratar de sua saúde durante a gravidez, não tendo se manifestado, posteriormente, quanto ao interesse em realizar o ato.

Com isso, os desembargadores daquele Tribunal, ao julgarem um recurso, entenderam que, diante daquela recomendação médica e da proximidade com o parto, tornou-se inviável a realização da interrupção da gestação, sendo necessária a reforma da sentença, para cassar a ordem pretendida.

São situações delicadas, mas que, infelizmente, estamos todos passíveis de nos vermos nelas inseridos. Por isso, sempre que possível, recomendamos que registrem em prontuário os fatos de forma minuciosa, bem como os motivos que geraram a conduta. A depender da gravidade da situação, com ofensas por exemplo, orientamos também que seja feito registro no livro de ocorrência da instituição ou, se proferidas ameaças contra a integridade do profissional, o registro de boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia.

Em caso de dúvida, procure seu advogado especialista de confiança.

Autores: Daniele Queiroz de Souza. Graduada em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Pós-graduada em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pela USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT); Membro Efetivo Observatório Nacional de Direito Médico e da Saúde; Secretária-Geral (2023) da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação Jurídica OAB/DF – Subseção Taguatinga; Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/DF; Advogada. danieleqsadv@gmail.com

Flávio Dias de Abreu Filho. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF; mestrando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF, diretor jurídico da Associação de Empresas de Engenharia e Limpeza Urbana do Brasil – ALUBRÁS, advogado sócio do escritório Abreu&Abreu advogados. diasdeabreu@abreueabreu.com


[1] Processo n° 0000124-38.2022.5.09.0130

[2] ACÓRDÃO: 202212639

Artigo anteriorA cura do câncer?
Próximo artigo
Flávio Dias de Abreu Filho
OAB/DF 61.406. Advogado graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF; mestrando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF, diretor jurídico da Associação de Empresas de Engenharia e Limpeza Urbana do Brasil - ALUBRÁS, advogado sócio do escritório Abreu&Abreu advogados.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


CAPTCHA Image
Reload Image