Na era moderna da saúde tem se observado um significativo crescimento dos procedimentos estéticos no intuito de adequação a um determinado padrão que a pessoa entende como sendo o mais belo; e a cada dia que passa, novos padrões de beleza se multiplicam impulsionados pela expansão das redes sociais e influenciadores digitais.
É inegável a influência gerada pelos rostos perfeitos na televisão, cinema, Instagram e das dezenas de outras opções na internet que tornam botox, preenchimentos faciais e cirurgias plásticas cada vez mais comuns e acessíveis, inclusive em preços, afinal, quanto mais demandas e mais empresas especializadas surgem, consequentemente, os valores vão se tornando mais módicos.
A aceitação ou a recusa em realizar esses procedimentos é individual, e a ideia de poder retardar o envelhecimento ou manter o rosto jovem é utilizada por mulheres e homens cada vez mais novos, como forma de modificar a sua aparência em busca da “perfeição” (se é que existe). Não é nem um pouco raro se deparar com notícias de que uma pessoa gastou centenas de milhares de reais para parecer com uma determinada artista, um ícone histórico, uma boneca ou até mesmo uma aparência animalesca.
Longe de qualquer ingerência na vontade do indivíduo, a decisão é pessoal daquele que deseja passar por essa alteração estética, sendo indiscutível que o anseio privado se sobreponha a qualquer impedimento transindividual, ou seja, a decisão é de cada um. E o direito faz questão de proteger essa decisão, pois, de forma geral, se a pessoa é maior de idade e não possui qualquer indicação de impedimento em suas faculdades mentais, já tem capacidade civil para tomada de decisão, pode escolher o que bem entender, desde que isso não afete o direito alheio.
Dito isso, o que vai importar para este artigo é a segurança que o profissional, disposto a realizar o procedimento estético, precisa ter ao realizar aquilo que ele ou ela se especializou e que comercializa; e a principal noção jurídica que o profissional estético tem que ter em mente é: os tribunais entendem o procedimento estético como uma obrigação de resultado.
Antes de adentrarmos ao efeito prático de tal entendimento, é imperioso fazer uma inserção pessoal para explanar que estes autores discordam veementemente deste entendimento e buscam, sempre que possível, uma mudança jurisprudencial sobre esses casos. A lógica atrelada ao entendimento de obrigação de resultado, conforme demonstrado a frente, é absolutamente descompassada do conceito moderno de ciência de saúde.
Dito isso, infelizmente, os tribunais têm entendido que, para verificar a responsabilidade civil de um possível erro no procedimento de saúde, existem duas formas de ver a obrigação pactuada entre prestador de serviço (profissional de saúde/clínica/hospital) e tomador de serviço (paciente): ou a obrigação era de meio ou a obrigação era de resultado.
Diferenciando cada um deles, na obrigação de meio, a responsabilidade do profissional não é pelo resultado final obtido, mas sim pelos meios/técnicas utilizadas no procedimento, enquanto na obrigação de resultado, a responsabilidade é pela entrega do resultado pretendido, independente se o profissional utilizou a técnica mais moderna ou menos atual, por exemplo.
Como referido, na área de estética, o Poder Judiciário entende que a obrigação do profissional é de resultado, portanto, a finalidade prometida pelo profissional e desejada pelo paciente deve que ser atingida, ou seja, o resultado precisa ser o que foi “vendido” ao paciente, pois se considera que há compromisso com o efeito embelezador prometido. Diferentemente do que ocorre nas áreas distintas da estética, nas quais a responsabilidade do profissional é de meio, ou seja, pela técnica que emprega, devendo esta ser realizada da forma prescrita na literatura, de modo a não causar dano evitável ao paciente.
De forma técnica, o Superior Tribunal de Justiça considera que a obrigação é de meio quando o resultado final insatisfatório alcançado não configura, por si só, o inadimplemento (descumprimento) contratual, devendo, para que se configure a obrigação de indenizar, ser demonstrada a ocorrência de ato, comissivo (ação) ou omissivo, caracterizado por erro culpável (por imperícia, imprudência ou negligência) do profissional, assim como do nexo de causalidade – vínculo – entre o ato e o dano experimentado; ou seja, tem que haver prova de que o profissional errou e que o erro é o responsável pelo prejuízo sofrido[1].
Por outro lado, quando se fala em obrigação de resultado, a culpa do prestador de serviço é presumida, cabendo a este demonstrar alguma excludente de sua responsabilização apta a afastar o direito ao ressarcimento do paciente. Trocando em miúdos, o profissional estético assume obrigação pela conclusão do procedimento, devendo indenizar o paciente pelo não cumprimento dessa obrigação na ocorrência de eventual deformidade ou de alguma irregularidade no ato. Todavia, caso provada alguma excludente, como a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou a força maior, a responsabilidade do profissional será afastada.
Para facilitar o entendimento, tomemos dois exemplos. No primeiro, o cardiologista realizou uma cirurgia que acarretou a morte do paciente, no segundo, o cirurgião plástico fez implante na mama da paciente, mas após o período de recuperação, percebeu-se que ficaram desalinhados. Em ambos os casos, os interessados ingressaram com ação de indenização em desfavor dos profissionais.
No primeiro, mesmo sendo um procedimento cirúrgico tanto quanto o segundo, trata-se de obrigação de meio, cabendo ao profissional demonstrar que agiu de forma perita e prudente em observância à literatura médica, mesmo que tenha o paciente vindo à óbito. Ou seja, o ônus de provar que não teve culpa (imperícia, imprudência ou negligencia) é do profissional, assim, se ele provar que agiu dentro das normas médicas, realizou o procedimento com zelo e cuidado devido, solicitou todos os exames pré-operatórios necessários e que somente procedeu com a cirurgia após constatada a normalidade fisiológica do paciente e a possibilidade de realização do ato, não há que se falar em responsabilidade civil do profissional com dever de indenização à família do paciente, infelizmente, falecido. Isso porque “o exercício da medicina não promete cura, mas sim tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia e diligência, e padrão de conduta ético e comprometido por parte do profissional em favor da melhora de seu paciente”.[2]
Já no segundo, por ser obrigação de resultado (cirurgia plástica embelezadora), o ônus de provar a inexistência de culpa também é do médico, mas, mesmo que ele prove tudo que o cardiologista provou – que agiu dentro da conformidade, que o procedimento ocorreu de forma satisfatória e que não houve qualquer intercorrência ou complicação pós cirúrgica – e ainda persista a diferença entre a promessa inicial e o resultado obtido, ainda sim ele será condenado em reparar a paciente, pois o resultado não foi aquele prometido.
Ainda, mesmo que o eventual desalinhamento das próteses em uma cirurgia de implante mamário, por exemplo, tenha sido uma consequência natural da fisiologia daquela paciente, caberá ao profissional provar o vínculo entre a fisiologia e o resultado, com função precípua de demonstrar que o resultado diverso do pretendido não decorreu de erro na conduta médica, mas sim da própria condição da paciente. Portanto, tem-se nesta situação, se comprovada, uma excludente de responsabilidade civil do médico que impedirá a fixação de indenização em favor da paciente.
No caso dos procedimentos estéticos, os médicos devem provar, por exemplo, que a paciente ingressou em locais insalubres durante o período de repouso pós-operatório; ou que realizou atividade física durante o mesmo período; ou que o seu corpo, pelo chamado “ato divino” impediu o assentamento correto das próteses.
Reforça-se aqui a oposição destes autores quanto à aplicação deste entendimento na área da estética, especialmente quanto, por exemplo, o próprio Conselho Federal de Medicina, em seu Código de Ética, tem expressamente previsto a impossibilidade da responsabilização como princípio fundamental:
XIX – O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.
Ainda, a estética não se restringe à medicina, mas a mesma ideia de impossibilidade de presunção, tem que ser aplicada à todas as profissões e especialidades. Juridicamente, bem como cientificamente, não há sentido no entendimento pela obrigação de resultado quando deveria ser aplicada a obrigação de meio, tendo em vista a clara condição da álea inerente ao procedimento de saúde. Como é de conhecimento, apesar de a medicina estar em constante avanço, ainda não lhe foi possível ter o controle integral das reações do corpo humano e, assim, por mais que o profissional tome todas as cautelas e atue conforme a literatura preceitua, ainda é possível que o organismo reaja de forma inesperada e desconhecida, não podendo ser imputado ao profissional perito tal adversidade da fisiologia humana.
Ademais, conforme reportado no início, o conceito de resultado satisfatório é relativo, uma vez que determinadas pessoas possuem uma visão distorcida de si, de modo que para algumas o resultado embelezador pode ser sido alcançado, já para outras, não. Por isso a subjetividade na verificação do resultado é questão relevante neste debate que impediria, já de cara, considerar o procedimento como obrigação de resultado.
Retornando ao Conselho Federal de Medicina, em sua louvada atribuição, já regulou o tema na Resolução nº 1.621/2001 na qual considera a cirurgia plástica como ato médico de meio e não de resultado (art. 4º), todavia, por questões de hierarquia de leis do Direito Brasileiro, tal regramento não se sobrepõe à lei e ao entendimento do Judiciário, que ainda insistem em ver os procedimentos estéticos embelezadores como obrigação de resultado.
Diante desse entendimento, quais precauções deve o profissional tomar? Alinhe a expectativa do paciente de maneira a esclarecer que o resultado pode ser ou não alcançado; tome cuidado com programas computadorizados pois a proposta obriga a alcançá-la; elabore Termo de Consentimento Livre e Esclarecido não genérico a fim de transmitir ao paciente todos os riscos inerentes ao procedimento que deseja se submeter; valorize o seu trabalho e o preço a ser cobrado pelo procedimento ante ao risco inerente do negócio. Todas essas condutas objetivam conferir informações e seguranças ao paciente, bem como comprovar boa-fé e cautela do profissional em uma eventual ação judicial de danos morais, ou até ações criminais.
Uma última nota merecedora de menção é que, quanto mais informação e instrução for disponibilizada ao paciente, tanto no pré quanto no pós procedimento, maiores as chances de afastar eventuais condenações. Razão pela qual é necessário o expresso e manifesto consentimento colhido no TCLE além de encaminhamento de mensagens eletrônicas via e-mail, por exemplo, para garantir a plena ciência do paciente.
Autores: Daniele Queiroz de Souza. Graduada em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Pós-graduanda em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pela USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT); Membro Efetivo Observatório Nacional de Direito Médico e da Saúde; Secretária-Geral da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação Jurídica OAB/DF – Subseção Taguatinga; Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/DF. danieleqsadv@gmail.com
Flávio Dias de Abreu Filho. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF; mestrando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF, diretor jurídico da Associação de Empresas de Engenharia e Limpeza Urbana do Brasil – ALUBRÁS, advogado sócio do escritório Abreu&Abreu advogados. diasdeabreu@abreueabreu.com
[1] AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AFRONTA AOS ARTS. 3º, § 2º, E 4º DO CDC. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ADMISSÃO DE PREQUESTIONAMENTO FICTO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 1.022 DO NCPC. CIRURGIA PLÁSTICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. EXCLUDENTES. AUSÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.1. Decisão agravada reconsiderada, na medida em que o agravo em recurso especial impugnou os fundamentos da decisão que inadmitiu o apelo nobre, exarada na instância a quo.2. Esta Corte de Justiça, ao interpretar o art. 1.025 do Código de Processo Civil de 2015, concluiu que “a admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei” (REsp 1.639.314/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 4/4/2017, DJe de 10/4/2017).3. Consoante a jurisprudência desta Corte, “possuindo a cirurgia estética a natureza de obrigação de resultado cuja responsabilidade do médico é presumida, cabe a este demonstrar existir alguma excludente de sua responsabilização apta a afastar o direito ao ressarcimento do paciente” (AgRg no REsp 1.468.756/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, DJe de 24/5/2016).4. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em nova análise, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.(AgInt no AREsp n. 1.988.403/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 24/2/2023.)
AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NECESSIDADE DE APURAÇÃO DE CULPA DO PROFISSIONAL DA SAÚDE, E TAMBÉM DO NEXO DE CAUSALIDADE. APURAÇÃO DE QUE O AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DECORREU DO PRÓPRIO RISCO CIRÚRGICO, DA CONDUTA E CIRCUNSTÂNCIAS CLÍNICAS DO PACIENTE. REEXAME DE PROVAS, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE.1. Conforme precedente deste Colegiado, “como se trata de obrigação de meio, o resultado final insatisfatório alcançado não configura, por si só, o inadimplemento contratual, pois a finalidade do contrato é a atividade profissional médica, prestada com prudência, técnica e diligência necessárias, devendo, para que exsurja obrigação de indenizar, ser demonstrada a ocorrência de ato, comissivo ou omissivo, caracterizado por erro culpável do médico, assim como do nexo de causalidade entre o dano experimentado pelo paciente e o ato tido por causador do dano” (REsp 992.821/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 27/08/2012).2. A Corte local aponta que a cirurgiã tomou medidas adequadas, salientando a inexistência de relação de causa e efeito entre os danos afirmados na exordial e os serviços profissionais, assim como que outro Médico apurou que “a prótese estava bem posicionada, e que nova revisão era necessária por conta da dor e da limitação da mobilidade do paciente (fls. 100 dos autos digitalizados – mov.1.3), o que, segundo explicou, guarda relação com a artrite reumatoide que acometia o paciente em questão. É que pessoas portadoras dessa doença autoimune acabam por apresentar processos inflamatórios nas articulações, inchaços, dores e limitação de movimentos”.3. Igualmente, como segundo fundamento autônomo adotado pelo acórdão recorrido para afastar o nexo de causalidade, é apurada a culpa exclusiva do próprio paciente, pois: a) “logo após a realização da cirurgia do joelho […], o paciente se evadiu do hospital antes de receber alta médica e de retirar os pontos”; b) “não bastasse isso, ele frequentemente desobedecia as recomendações médicas e retornou ao consultório médico apenas 50 (cinquenta) dias após a realização da cirurgia, com dores e informando que 16 (dezesseis) dias após a cirurgia já estava dirigindo e carregava peso”; c) “consta dos autos a informação de que […] tinha por hábito adquirir medicamentos importados do Paraguai e se automedicar”.4. “O ponto central da responsabilidade civil está situado no nexo de causalidade. Não interessa se a responsabilidade civil é de natureza contratual ou extracontratual, de ordem objetiva ou subjetiva, sendo neste último caso despicienda a aferição de culpa do agente se antes não for encontrado o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Com efeito, para a caracterização da responsabilidade civil, antes de tudo, há de existir e estar comprovado o nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta comissiva ou omissiva do agente e afastada qualquer das causas excludentes do nexo causal, tais como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, o caso fortuito ou a força maior, por exemplo” (REsp 1615971/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, terceira turma, julgado em 27/09/2016, DJe 07/10/2016).5. Em vista do apurado, só é possível cogitar em revisão do decidido mediante reexame de provas, o que encontra óbice intransponível na Súmula 7/STJ, a impedir o conhecimento do recurso especial por ambas as alíneas do permissivo constitucional.5. Agravo interno não provido.(AgInt no AREsp n. 1.662.960/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 25/11/2021.)
[2] DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 5 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivim, 2021. Pag.171.