Identificadas espécies causadoras de micose sistêmica em Ribeirão Preto e região

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A paracoccidioidomicose é a principal micose sistêmica na América Latina. Achados de pesquisa da USP apontam para a necessidade de um exame diagnóstico mais abrangente para a doença, contraída na manipulação do solo em zonas rurais

De nome estranho e pouco comum em populações urbanas, a paracoccidioidomicose – também conhecida como blastomicose sul-americana ou paracoco – pode provocar sequelas crônicas e até a morte dos contaminados. A infecção é causada por fungos, geralmente aspirados do solo em atividades rurais. Tem cura, mas o diagnóstico laboratorial (exame de sangue) ainda é pouco abrangente. Situação que a ciência promete mudar conhecendo a distribuição geográfica das espécies do Paracoccidioides pelo País e aperfeiçoando os testes.

Em estudo inédito, pesquisadores do campus de Ribeirão Preto da USP dão um importante passo nessa direção, identificando as espécies do fungo Paracoccidioides spp. prevalentes na cidade e região. Os resultados confirmam a predominância do P. brasiliensis, com maior frequência diagnosticado no local, mas também revelam a presença do P. americana, do P. lutzii e até do P. restrepiensis.

Segundo Tiago Alexandre Cocio, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e responsável pela pesquisa, já se sabia da ampla ocorrência da espécie P. brasiliensis nas regiões Sul e Sudeste (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul), onde casos de P. americana e P. restrepiensis são relatados em menor escala. Mas o P. lutzii, informa o pesquisador, tem como maior região endêmica o Centro-Oeste e o Norte brasileiros.

Exame diagnóstico deve ser mais abrangente

Os achados agora identificados na área de Ribeirão Preto, considerada hiperendêmica no Sudeste do Brasil, justificam a necessidade de aperfeiçoar o teste de laboratório atualmente utilizado para “um exame diagnóstico mais abrangente, que identifique casos de paracoccidioidomicose relacionados com qualquer espécie do fungo”, avalia Roberto Martinez, orientador dos estudos conduzidos por Cocio e professor de moléstias infecciosas da FMRP. Martinez conta que há décadas se usa um único tipo de antígeno (proteína do fungo P. brasiliensis) para fazer o exame e que, nos últimos anos, verificou-se que o material não é eficiente para o mesmo diagnóstico em doentes infectados pela espécie P. lutzii.

Por meio de sequenciamento genético, os pesquisadores avaliaram e compararam amostras de material coletado de portadores de paracoccidioidomicose da cidade de Ribeirão Preto e região – diagnosticados e tratados no Hospital das Clínicas da FMRP – e de amostras ambientais (retiradas do solo e do animal tatu). Das 50 amostras analisadas, 47 pertenciam à espécie P. brasiliensis, as demais eram de P. lutziiP. americana e P. restrepiensis.

O estudo mostra que as espécies do fungo não influenciam na manifestação da doença já que “pacientes da região e cidade de Ribeirão Preto têm a mesma doença causada por diferentes tipos do fungo do gênero Paracoccidioides“, informa Cocio.

Por outro lado, ao analisar a reação das moléculas antigênicas (das espécies do fungo) com os soros dos infectados, o pesquisador verificou resultados diferentes. Enquanto soros de portadores da espécie P. brasiliensis apresentaram excelente reatividade, os de P. lutzii não conseguiram a mesma performance quando avaliados com antígenos de P. brasiliensis – material em uso para diagnósticos laboratoriais.

Estas informações, comenta o professor Martinez, dão suporte ao trabalho de vários grupos de pesquisa do Brasil que, atualmente, buscam “extrair antígenos de diferentes espécies de Paracoccidioides” na obtenção de “um ou mais antígenos que possam proporcionar maior sensibilidade diagnóstica ao teste sorológico de todos os casos” da doença. Só na região de Ribeirão Preto, como mostrado no trabalho de Cocio, tem-se “doentes infectados por diversas espécies de Paracoccidioides, inclusive P. lutzii”, completa o professor.

Os resultados da pesquisa são parte da tese de doutorado de Cocio, sob orientação do professor Martinez, apresentada à FMRP no ano passado e estão publicados na edição de 2020 da Genetic and Molecular Biology (Sociedade Brasileira de Genética) e de agosto de 2020 do Journal of Fungi.

Transmissão, sintomas e tratamento

Infecção fúngica endêmica no Brasil, a paracoccidioidomicose é a principal micose sistêmica e uma das dez principais causas de morte por doenças infecciosas e parasitárias no País, segundo o Ministério da Saúde. É adquirida pela inalação do fungo que se encontra no solo, geralmente, em zonas rurais.

Conta o professor Martinez, que a maioria dos contaminados desenvolve resistência imunológica ao fungo e não fica doente, por isso a incidência da doença é baixa, com registros estimados entre três e cinco mil casos novos por ano no País. “Um estudo focalizando a macrorregião de Ribeirão Preto revelou uma incidência de cerca de dois a quatro casos novos por 100 mil habitantes por ano”, informa o professor.

Algumas pessoas, no entanto, principalmente crianças e jovens, após cerca de um mês da contaminação, apresentam febre e gânglios linfáticos aumentados (ínguas) no pescoço e em outros locais do corpo, além de emagrecimento, “progredindo nas semanas seguintes para feridas na pele e lesões em outros órgãos”, diz Martinez. Porém, a forma mais comum da doença é a crônica, ocorrendo em adultos que apresentam feridas que não cicatrizam na boca, língua e garganta, além de frequente doença pulmonar. “Surge muitos anos depois da exposição no ambiente rural e parece ser facilitada por tabagismo e etilismo [alcoolismo]”, acrescenta.

Apesar de ter cura – é tratada com medicamentos antifúngicos tomados por pelo menos nove meses (itraconazol ou cotrimoxazole, Bactrim), – alguns doentes ficam com sequelas crônicas, como estreitamento da traqueia e dificuldade respiratória. A micose também “é causa de morte de pacientes com a doença muito disseminada, que têm pouca resistência imunológica ou que demoram para buscar auxílio médico”.

Fonte: NEWSLAB

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