RASTREABILIDADE PODE ATRASAR E ‘RG’ DE MEDICAMENTOS FICAR PARA 2024

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Em discussão há mais de uma década, o rastreamento de medicamentos tinha previsão de entrar em vigor até abril de 2022. A ideia do sistema é criar uma espécie de ‘RG’ para cada medicamento, por meio de um código bidimensional e outros dados que seriam colocados nas embalagens. Indústria pressiona para estender o prazo, informou a Folha de S. Paulo.

Entre os argumentos para novo adiamento, os laboratórios destacam possíveis custos do processo em meio à alta do dólar, dificuldade em obter fornecedores de máquinas para instalação dos códigos e risco de ter de paralisar a produção para adequar as embalagens, diminuindo a oferta de medicamentos.

“Queremos discutir porque surgiram várias preocupações, como um impacto na produtividade. Tem software e maquinário que precisa adquirir, e estamos ainda enfrentando uma pandemia”, afirmou à Folha a presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Progenéricos), Telma Salles.

Para a executiva, o ideal seria que houvesse prazos divididos ou fosse concentrado apenas em medicamentos que necessitam de maior controle. Ela revela ver uma brecha para isso. “A lei diz que tem de estar com rastreabilidade pronta, mas não fala em fazer tudo de uma só vez”, salientou. Segundo Telma, experiências de outros países, como a Turquia, apontam risco de impacto na produção.

Já o gerente regulatório da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Fernando Marcussi, citou ao jornal a possibilidade de aumento do custo de alguns medicamentos de R$ 0,11 a R$ 0,15. A medida, porém, não é consenso.

“No nosso entendimento, o prazo só começaria a correr após todas as normas”, salientou à Folha o presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, para quem há pontos não esclarecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Mesma avaliação apresentou ao jornal o presidente da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, que também citou a dificuldade da pandemia. “Estamos falando de 80 mil estabelecimentos que terão de comprar equipamentos de leitura. Se eu for fazer um pedido hoje, não vou ter fornecedor para entregar”.

Rastreamento poderia ajudar em recall de medicamentos

Para o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto, há boas medidas de controle da produção de medicamentos, por isso, um eventual adiamento não traria consequências ao consumidor. “É algo que agrega pouco à segurança dos medicamentos. O que ajuda é do ponto de vista fiscal, porque quem sonega vai passar apertado com isso”, revelou ao jornal.

Já para o ex-diretor da Anvisa na época da primeira lei da rastreabilidade, Dirceu Barbano, as alegações usadas pelo setor para defender o adiamento são questionáveis. “Os argumentos colocados hoje sobre a mesa são os mesmos de oito anos atrás. E fica transparecendo que de fato alguns setores da indústria não têm interesse que esse mecanismo de controle entre em vigor”, disse à Folha.

Para ele, a medida deve ajudar a ter um maior mapeamento do uso de medicamentos no País, coibir roubos e facilitar ações de recall. “É uma medida que permite tomada de decisões e rastreabilidade por unidade, e não por lote, o que amplifica medidas de controle”, completou.

Com o sistema de rastreamento, cada medicamento teria seu ‘RG’. Com isso, seria possível acompanhar seu caminho da indústria até a venda nas farmácias. O objetivo da medida é aumentar o controle dos medicamentos e evitar falsificações, por exemplo. Deve valer para medicamentos sujeitos a receita, com exceção daqueles ligados a programas do Governo e fitoterápicos. Medida ajudaria em recall, como o de medicamentos para hipertensão realizado no ano passado.

A rastreabilidade é discutida desde 2009, sendo que, pela regra, sua implementação se daria no primeiro semestre de 2022 para todos medicamentos. Mas, sob pressão da indústria, a Anvisa avalia que o sistema tenha prazos escalonados, o que, na prática, poderia estender a implementação completa para depois de 2024.

Embora ainda não haja consenso entre os diretores da Anvisa sobre o que fazer, ao menos um deles já apresentou parecer favorável a uma mudança no modelo, apurou a Folha. Na proposta, que foi defendida em reunião no início do mês pelo então diretor Marcus Miranda, a ideia é que o prazo inicial valha apenas para 10% dos medicamentos. Para os demais, o prazo passaria ser escalonado nos anos seguintes.

Na ideia apresentada por Miranda, a lista de produtos seria alterada e se iniciaria a rastreabilidade com medicamentos de controle especial e antimicrobianos. Neste caso, os prazos seriam divididos entre 2022, 2023 e 2024. A proposta do diretor não deixa claro como ocorreria para os demais medicamentos. Há uma sugestão de que a Anvisa revise a lista anualmente para inclusão de mais categorias de medicamentos. A estimativa atual é que 4 bilhões de embalagens circulem por ano no País.

Duas diretoras pediram vista do processo após a sugestão de Marcus Miranda, que deixou a Agência com entrada da nova diretoria. Mas, segundo apurou a Folha, regras da Anvisa preveem manter o voto do diretor anterior nesses casos.

Antes da proposta, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres, havia sugerido que as empresas apresentassem até o fim deste ano um plano de implementação da rastreabilidade, mantendo o prazo final de 2022. A previsão é que o debate seja retomado em dezembro.

Segundo comunicado da Anvisa à Folha, recentes contribuições de seminários sobre o tema da rastreabilidade “reforçam as vantagens dessa solução para a saúde pública e a economia, porém aspectos operacionais relacionados a tempos e investimentos ainda não estão completamente esgotados”.

Fonte: ICTQ

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