Novo método facilita estudo de lipídios oxidados envolvidos em doenças neurodegenerativas

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Os lipídios são uma classe diversificada de biomoléculas com várias funções, desde a reserva de energia até a regulação de processos celulares fundamentais. Lipídios oxidados têm recebido muita atenção atualmente por estarem relacionados com estresse oxidativo, inflamação e sinalização celular. As oxilipinas, por exemplo, são moléculas derivadas da oxidação de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs, na sigla em inglês) que têm sido associadas a doenças neurodegenerativas.

Para traçar um perfil das oxilipinas na esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa fatal, cientistas do  Centro de Pesquisa em Processos Redix em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), estabeleceram e validaram um método de altíssima performance. A técnica, baseada em cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas de alta resolução, foi usada para analisar simultaneamente 126 oxilipinas no plasma. A pesquisa foi liderada por Sayuri Miyamoto, professora do IQ-USP.

Com essa ferramenta, eles analisaram o plasma de um modelo animal (rato) de ELA e descobriram oxilipinas alteradas nos animais sintomáticos que refletem estresse oxidativo, inflamação e hipermetabolismo lipídico. Segundo os pesquisadores, oxilipinas podem se tornar biomarcadores para o monitoramento da progressão da doença.

“O método foi a chave desse trabalho. A grande maioria dos métodos usa espectrometria de massas de baixa resolução para quantificar oxilipinas e outras moléculas, técnica com alta sensibilidade, mas sem um poder muito grande de caracterização. Já com a espectrometria de massas de alta resolução, temos muito mais acurácia na caracterização das oxilipinas e ainda com alta sensibilidade. Unimos os dois aspectos mais relevantes e caracterizamos com o máximo possível de exatidão uma quantidade muito grande de oxilipinas”, afirma Adriano dr Britto Chaves Filho, que desenvolveu a pesquisa com apoio da FAPESP durante seu pós-doutorado. Ele é o primeiro autor do artigo, publicado na revista Free Radical Biology and Medicine.

A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela disfunção progressiva e morte dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal, que leva à atrofia muscular, paralisia e morte do paciente. Alterações no metabolismo lipídico, inflamação crônica e estresse oxidativo estão fortemente ligados à progressão da doença.

Estresse oxidativo

“Construímos um método targeted [dirigido a um alvo], focado na quantificação de 126 oxilipinas. Obviamente a gente não encontra todas na amostra biológica. Encontramos 56 oxilipinas, das quais 17 estavam significantemente modificadas”, conta Chaves Filho.

Os dados da análise revelaram que, no plasma de ratos com ELA, oxilipinas ligadas à inflamação e ao estresse oxidativo derivadas do ácido araquidônico, como prostaglandinas e mono-hidróxidos, estavam aumentadas. Por outro lado, oxilipinas derivadas do ácido linoleico envolvidas na absorção de ácidos graxos e na betaoxidação, chamadas DiHOMES, estavam diminuídas.

Esses DiHOMES estão relacionados ao processo de hipermetabolismo, que se caracteriza pela mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo para betaoxidação, devido a uma demanda maior de energia, levando à perda de peso. Em pacientes com ELA, quanto menor a quantidade de tecido adiposo, pior é o prognóstico. O hipermetabolismo é uma característica marcante nas pessoas com ELA, que sofrem uma severa perda de peso nos estágios finais da doença”, afirma Miyamoto. O grupo da pesquisadora agora investigará a fonte desses DiHOMES e sua relação com o desenvolvimento da esclerose lateral amiotrófica.

Outro resultado interessante foi o aumento de cetonas derivadas do ácido araquidônico e do ácido linoleico tanto nos animais doentes sintomáticos quanto no grupo-controle de 120 dias de vida, mostrando que a idade também modula o metabolismo das oxilipinas no plasma.

De acordo com suas propriedades químicas, as oxilipinas podem ter diversas funções biológicas, agindo como moléculas sinalizadoras, ao propagar sinais por meio das células, e modificando biomoléculas como proteínas e DNA. Elas podem ter atividades tanto pró-inflamatórias quanto pró-resolução (ou seja, que favorecem o fim da inflamação). Uma das funções mais bem estabelecidas de algumas oxilipinas, como as prostaglandinas, é a mediação de processos inflamatórios.

Segundo Chaves Filho, a pesquisa também “abre portas no contexto da doença para a investigação de mecanismos associados às alterações das oxilipinas”. Os pesquisadores ressaltam que realizar uma análise global e abrangente de oxilipinas ainda é um desafio. “Elas são muito diversas e têm uma isomeria complexa: muitas delas compartilham a mesma fórmula molecular, a mesma quantidade de carbono, de oxigênio, de hidrogênio, só o arranjo desses átomos é diferente.” Soma-se a isso a instabilidade química dessas moléculas e sua baixa concentração em amostras biológicas.

Daí a importância da ferramenta de análise, que possibilita investigar o perfil das oxilipinas não só em ELA, mas também em outras patologias. “Seria interessante se pudéssemos fazer um estudo comparativo da ELA com outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, por exemplo, e ver se esse perfil é diferente – porque o interessante quando fazemos uma análise compreensiva é estabelecer um perfil, um painel de oxilipinas alteradas. Poderíamos ter perfis diferentes que possam ser bem característicos para cada doença”, explica Miyamoto.

Fonte: Newslab

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