Ser mãe cuidadora de filho com esquizofrenia

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Quando os familiares descobrem a esquizofrenia em seu lar, estes vivenciam uma nova fase, em que emergem sentimentos variados. O impacto gerado na família em razão do adoecimento causa situações de estresse, cansaço e desesperança; pois, muitas vezes, não é entendido o que está realmente acontecendo com o seu familiar. Conviver com a esquizofrenia pode ser uma experiência angustiante, enquanto em que emergem sentimentos de incerteza quanto ao presente e ao futuro do seu familiar, que envolvem as suas próprias perspectivas de vida. A desesperança pode levar o cuidador a sofrer uma angústia enorme, principalmente porque principalmente na fase inicial da doença é tudo muito complexo, poucas informações e quando se obtém informações elas são sempre carregadas de preconceitos, estigmas e pouco conhecimento do que realmente é a Esquizofrenia. Ha séculos estudiosos tentam chegar a uma definição cada vez mais abrangente do transtorno , capaz de aprender o amplo espectro da desfuncionalidade e o extremo desconforto que ela apresenta em termos cognitivos , comportamentais e emocionais .

Com uma incidência de 1% da população, se manifesta na adolescência com predominância nos homens em relação às mulheres e leva a uma progressiva deterioração pessoal e social. A esquizofrenia representa uma das mais complexas realidades patológicas. Sarah, Roberta, Josiane e Denise são Mães que mostram que não existe limites quando se ama.

Com essa frase Esquizofrenia sim, é possível conviver e viver, Sarah Nicolleli incentivou outras Mães a se unirem em prol de uma causa que muitos ainda desconhece, com elas aprendi sobre o importante papel dos pais e familiares e do seu engajamento no processo diagnostico. Amor incondicional, dedicação, proteção e superação estão presente nas histórias dessas Mães que nunca pararam de lutar mesmo tendo que conviver com a esquizofrenia.

Sarah Nicolleli Presidente da ONG AMME – Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia

Me chamo Sarah, 59 anos, moradora de Curitiba, no Paraná. Toda mulher nasce com seu instinto materno aflorado e quando engravidamos, florimos a vida esperando por alguém especial. Ser mãe de alguém com esquizofrenia é como parir duas vezes, pois embora a essência de meu filho seja a mesma, intacta, ele já não consegue mais ter a vida que tinha após a esquizofrenia. Não são apenas as preocupações que demandam de todo filho, com ou sem patologia, mas estar em estado de alerta todos os momentos. Em 2010, aos 19 anos, meu filho teve seu primeiro surto psicótico. O chão se abriu e um novo mundo se apresentou em minha vida. Era sozinha, separada, e o pai não quis assumir a paternidade o que foi um dos motivos e gatilhos para a procura das drogas e para a manifestação da esquizofrenia. Senti uma dor imensa ao ver meu filho em um mundo que não era o habitual (e continua não sendo), dor de vê-lo perdido em seus pensamentos, devaneios, dor em saber que não há cura, embora tenha tratamento, dor em saber que é a doença mais estigmatizada do mundo, dor em quase perde-lo para o suicídio. O mundo resumiu-se a dor. A perda, ao descaso, ao preconceito. Mas um dia acordei preparada para enfrentar esta doença, não me entregar à ela e tão pouco entregar o meu bem precioso. Para isso, abri mão de minha vida pessoal, me esqueci como mulher e até pequei em não ser uma mãe completa para minha filha que presenciava a tudo isso. Com muita luta, muito estudo, passei a falar da doença abertamente nas redes sociais e um dia, vejo que comigo havia uma legião de outras mães. Com o tempo me foi sugerido por um grande psiquiatra brasileiro, Dr. Rodrigo Bressan , que abrisse uma ONG e nasceu a AMME – Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia, o qual damos assistência psicológica, psiquiátrica, jurídica e muita informação para estas famílias que , como eu, foram surpreendidas um dia por esta doença. Hoje, digo que não tenho apenas meu filho Cainã, mas tenho muitos outros filhos e filhas e é por eles que a minha luta continua. Se é fácil? Não. O desânimo, a desesperança, o medo às vezes batem à minha porta e fazem morada por uns dias e o que posso fazer diante destes sentimentos? Orar e continuar minha caminhada, às vezes muito solitária em meu quarto, quando me pego pensativa me perguntando e perguntando à Deus – o que será de meu filho quando eu partir? Dai eu choro o suficiente pra renovar a vontade de viver mais e mais para continuar ao lado dele, pelo tempo que for possível. Enquanto isso, procuro ser resiliente e graças a grandes parceiras que encontrei no caminho a AMME criou asas e está voando longe. Sou um pouco poética, sou um pouco ríspida, sou um pouco matrona, sou um pouco de tudo que tem me fortalecido para estar aqui, contando um pedacinho da minha história. Hoje, Cainã está com 32 anos, me deu um neto lindo e embora a vida dele continue do jeito dele, ele está comigo, está entre nós, com dias bons e outros nem tanto, mas está aqui. Agradeço a querida Nauria, que lá atrás começou também com a AMME e onde nos ajudou muito, a estar aqui podendo contar um trecho da minha vida após a esquizofrenia. Não é fácil ser cuidadora, não é fácil ser mãe, não é fácil amar com medo de perder, mas é possível conviver e viver com alguém que amamos e tenha esquizofrenia. Obrigada.

Roberta Gimenez Empresária (São Paulo)

Meu nome é Roberta mãe de Victor com diagnóstico Esquizoafetivo. Desde de pequeno meu filho veio apresentando vários sintomas como perseguição, paranóias, agitação motora mas nunca tivemos um diagnóstico fechado devido a sua idade. Aos 9 anos veio TDAH aos 13 bipolaridade e aos 24 veio diagnóstico final Esquizoafetivo. Acho que tanto para paciente como os familiares o mundo desaba. Mas de imediato fui procurar informação e me deparei com Sarah onde também tem filho com o mesmo diagnóstico. Ela me amparou e através dela pude enxergar um mundo diferente a ser conquistado para nossos filhos . Infelizmente no Brasil saúde mental é abandonada e os tratamentos disponíveis pelo governo são precários. Hoje meu filho está estável a 6 anos ainda em tratamento e posso dizer que onde sei que tem um esquizofrênico tem vida tem amor e pode conquistar muitas coisas .
Quero agradecer a Nauria que foi primordial no diagnóstico do meu filho pois me fez entender muitos aspectos que eu mesma não enxergava . Infelizmente esse processo todo é muito doloroso para cuidador pois você tem que se doar por completo e cuidar com muito afinco até o processo de estabilidades da doença que as vezes não chega para alguns. Com todo esse processo relatado aqui só hoje me dou conta do quanto tive que deixar de me cuidar e até existir para cuidar dele e isso acarretou vários problemas de saúde que hoje estou conseguindo reverter .

Josiane Pierre
Psicopedagoga , Palhoça ( SC)

Me chamo JOSIANE MOISÉIS PIÉRRI e sou mãe de ANDREY PIÉRRI DA SILVA atualmente com 36 anos.
Andrey sempre foi um garoto ativo e extremamente sapeca. Sua infância foi rodeada de brinquedos e brincadeiras que o levavam sempre a estar na rua, soltando pipa, andando de skate, bicicleta. Aventura, era com ele mesmo.
Na pré-escola Andrey se socializava muito bem, mas já tinham queixas das professoras de suas “viagens” no tempo e espaço. Se perdia em seu mundo e sua concentração eram só nas coisas que o interessavam, ou seja, brincar na rua ou desenhar. Indo para a escola seus problemas com concentração aumentaram. Ficava em seu mundinho e até urinava na calça, sentado e “viajando”. Eu trabalhava na escola como professora e a professora de Andrey chamou minha atenção sobre a falta de atenção dele, sugerindo que fosse características de Autismo ou Déficit de Atenção. Na época não se falava muito sobre esses termos, eu como professora sabia um pouco sobre o assunto, mas não sobre o tratamento. Resolvi levar Andrey em seu pediatra e relatei os fatos. O médico não me estimulou a procurar outro tipo de ajuda, dizendo que iríamos observar mais já que nesta mesma época eu e o pai de Andrey estávamos em processo de separação, uma separação atribulada e difícil para todos. Foi quando aconteceu algo muito traumático: Andrey presenciou seu pai ser preso. Infelizmente seu organismo reagiu com uma paralisia facial. Foi quando iniciamos um tratamento com neurologista e uma psicóloga. O processo educacional de Andrey ficou pior do que já estava, e uma psicopedagoga na época também foi sugerida.
Andrey foi crescendo com esses tratamentos, recebeu seu diagnóstico de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Usou por algum tempo a Ritalina, mas a medida que ia crescendo poucos resultados em termos pedagógicos apareciam. Reprovar ou passar de ano era normal para ele, o que mais me preocupava neste contexto: a apatia por tudo que o envolvia. Sua decepção com o pai foi gritante, sua idolatria pelo pai era grande e o pai o “abandonou.”
Andrey foi crescendo e se rebelando contra a escola (e eu achava o mais grave de tudo). Ia para a escola, mesmo contrariado, nunca foi mal-educado ou agressivo, apenas não dava conta de realizar todas as atividades, eu estudava com ele, o ajudava, brigava, e foi uma fase difícil. Aos 12 anos parou o tratamento com psicóloga e psicopedagoga. Investimos no esporte já que ele gostava, mas como sempre, começava e não terminava. Conseguiu concluir o Ensino fundamental com esforço e comigo na porta da sala, pois era assim que se sentia seguro (sempre inseguro).
Depois de solto, o pai começou a se reaproximar dele, uma preocupação, pois o pai era muito instável: aparecia e desaparecia. Com 15 anos começou a trabalhar com o pai. Estava mais rebelde, queria trabalhar para guardar dinheiro e comprar moto essas coisas de adolescente. Os funcionários do pai usavam maconha e o ofereceram. E ele começou a usar maconha. (Relato dele). Começamos então um tratamento psiquiátrico. Eu o via muito agitado e ao saber que estava usando maconha, diante de seu histórico, fiquei preocupada. Seu tratamento começou sendo apenas clínico e com a psicóloga que o atendeu por 8 anos. Não imaginávamos o tamanho do problema. Certa vez Andrey teve uma crise. Começou a ter muito medo, sentir-se perseguido, pavor de sair de casa, manias, seus pensamentos ficaram desordenados, enfim não entendemos o que estava acontecendo. Fomos para a clínica, ficou internado na ala de Dependência Química. Após alguns dias foi transferido para outra ala, a da doença psiquiátrica.
Apesar de ter ouvido falar de doença mental, esquizofrenia era um nome de outro mundo. Nós estávamos todos doentes, eu chorava por horas. Foi um período muito complicado. A minha família sempre unida para ajudar Andrey. E o pai sumiu. Eu depois de quinze anos separada do pai de Andrey, casei-me novamente. Mais um desafio. Ainda bem que veio para contribuir, casou-se sabendo de nossos problemas e uniu-se a nós. Todos começamos a frequentar a terapia de família, pois cada um falava uma coisa. Precisávamos agir com Andrey de maneira igual. E isso não acontecia. Eu achava que a maconha o atrapalhava, exigia exames para comprovar que não estava mais usando. Enfim, fiquei depressiva e neurótica. Muito desestabilizada. Meus pais passavam a mão na cabeça, o neto preferido e que precisava de cuidados, enfim foram muitas idas e vindas. Quando iniciou a medicação foi mais um problema pois iniciava o tratamento e não continuava. Neste intervalo sofreu dois acidentes de Moto. Um com fratura de joelho e outro com fratura de fêmur. Neste último acidente foram 30 dias de internação e longa recuperação. A partir deste acidente a vida de Andrey parou. E assim foram doze internações, muitas dificuldades, manias e desafios. Cada recaída de Andrey, TODOS recaiam em casa. Já batia o desespero de onde encontrar forças para recomeçar. Quando com 23 anos foi aposentada, o desespero nos pegou. Como aceitar um filho “normal” aposentado tão jovem? Mesmo nas recaídas, Andrey continuou generoso, educado, não era de responder ou mentir. Características que ajudavam muito. Assim sendo no ano de 2017 Andrey começa a aceitar seu tratamento, decidiu que não queria mais ser internado. Desde então, toma direitinho suas medicações, confia em sua médica, que é a mesma desde o início do tratamento, ou seja, 21 anos aproximadamente. Ainda tem muitos medos a serem vencidos. Nós mudamos também, conheci nesta época uma associação a AMME – Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia, que me mostrou que eu não estava sozinha, que era possível viver, acreditar ainda mais no caminho a ser percorrido. Através da AMME, fui aprendendo sobre a doença e mudando posturas em casa. Conseguimos entender que os pilares do tratamento são: psiquiatria, psicologia, família e fé. Se a família não abraçar o tratamento, dificilmente o paciente estabiliza. Na verdade, todos na família estabilizam, pois, se o doente não está bem, a família vive em sofrimento.
Por isso luto contra alguns artigos da LEI No 10.216, a Lei da Reforma Psiquiátrica, que fecha hospitais e deixa os pacientes sem opções de tratamento, controla a medicação a ser usada e tira da família o direito de tratar seu familiar quando este não está em condições de escolher seu tratamento. Sei que se eu não tivesse uma família unida, um plano de saúde e ajuda financeira, eu não conseguiria tratar meu filho. E isto deveria ser direito de todos.

Denise Ribas Campos
Presidente Associação AFAPE
Professora
Fazenda Rio Grande (PR)

Sou Denise Campos, professora, casada com Rogério Campos, mãe da Anne Caroline Ribas Campos de 14 anos e João Vitor Ribas 20 anos.
João Vitor nasceu prematuro, 32 semanas e pesando 1,500 kg. Necessitou de UTI neonatal por 18 dias. Desde o nascimento foi um guerreiro.
Com 5 anos recebemos o diagnóstico de TDAH (transtorno de défict de atenção e hiperatividade) e iniciou com tratamento medicamentoso e terapias.
Aos 7 anos João começou a nos relatar que ouvia vozes a qual dava comandos para ele se suicidar e matar sua mãe, e isso lhe trazia muito sofrimento. Por vezes achávamos que era espiritual e também nos trazia muito medo em lidar com a situação.
Com 10 anos teve o primeiro surto psicótico, onde se fez necessário acompanhamento psiquiátrico.
Eram situações que nos traziam incertezas de como seria o futuro do nosso filho.
No ano de 2016, João com 13 anos, estava em um estado de adoecimento mental, colocando sua vida em risco e das pessoas que estavam a sua volta, que foi necessário seu internamento em uma clínica psiquiátrica, e como era menor precisamos ficar acompanhando. Achei que iria enlouquecer, pois vi meu filho tão desejado e amado precisar de contenção devido aos surtos. Tamanho era o sofrimento de um menino tão jovem.
Entrei um conflito comigo mesma, era uma sensação de “luto”, pois os sonhos para meu filho haviam se acabado. Precisava aprender com um outro filho. Recebemos o diagnóstico de esquizofrenia paranoide. O que enterrou um pouco mais os nossos sonhos. Foram 118 dias dentro de uma clinica e fomos adoecendo junto, inclusive nossa filha que na época tinha 7 anos.
Com a alta do João veio o medo do que nos esperava. Porém tínhamos duas opções: ficar em nossa “zona de conforto”e aceitar ou lutar. Resolvemos lutar, mesmo indo na contra mão, indo contra a sentença que medicina nos obrigava a aceitar.
João Vitor conseguiu terminar o Ensino Médio com dificuldade, mas uma palavra que resume esse garoto é resiliência. Ele aceitou o tratamento, sabia o quanto era amado e que um Cid não iria mudar nossos sonhos.
Nessa caminhada encontrei um Grupo de Mães que lutavam pela mesma Causa da Esquizofrenia, entre elas a Psicóloga Nauria Brito, que mesmo a quilômetros de distancia nos ajudava com as intervenções nos momentos de crises.
No ano 2020, em meio a Pandemia, João encontrou no esporte (karatê) uma maneira de ocupar sua mente. E foi nessa fase que começou a trilhar sua história de superação. Fez um vinculo e uma amizade com seu personal e mestre, o qual despertou o interesse em iniciar no curso Superior de Educação Física.
Atualmente cursa o Terceiro Ano de bacharel em Educação Física, trabalha como estagiário na Secretaria de Esportes do nosso município, é atleta de alto rendimento de Karatê, participando de competições. Sendo campeão nas quais participou. Em abril/2023, participou como palestrante no IV Congresso Online Internacional Boas Práticas em Saúde Mental, juntamente com sua Psiquiatra, levando sua história de superação frente ao diagnóstico de Esquizofrenia e Ouvidor de voz.
Foi uma longa caminhada, enfrentando esse transtorno mental tão estigmatizado. Mas com a certeza que tínhamos Deus sempre conosco e Fé de dias melhores, que era apenas um inverno rigoroso que estávamos passando.
Hoje com nossa história de superação, podemos ajudar outros familiares e cuidadores de pessoas com esquizofrenia, que enfrentam a mesma dificuldade que passamos no inicio do tratamento. Procuramos mostrar que por trás de um transtorno mental existe uma pessoa, e que o diagnóstico não pode ser sua sentença.
Resgatamos os sonhos que lá no início tínhamos para nosso filho, com ele aprendemos a ser pessoas melhores, com ele aprendemos a lidar com nossas potencialidades e não nossas limitações. Fomos do luto a luta. Sabemos que ele veio para nossas vidas para assim impactar vidas.

Ser mãe é um trabalho muito duro , que exige muito sacrifício ,isso é ainda maior quando temos filhos que necessitam de cuidados especias .
Este artigo serve para honrar todas as mães dedicadas que merecem todo nosso amor e admiração .

“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha.
Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.
O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca perece…”
1º Coríntios 13:4-8a

Nauria De Brito
Psicologa e Mãe cuidadora

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