Cientistas testam molécula que combina três tecnologias distintas contra o câncer cerebral mais agressivo

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Um carreador que consegue chegar ao cérebro, ligar-se a um tipo agressivo de tumor conhecido como glioblastoma multiforme e liberar um quimioterápico foi testado pela primeira vez por pesquisadores brasileiros. Segundo artigo publicado no periódico International Journal of Pharmaceutics, o potencial tratamento apresentou eficácia em células isoladas e em modelos animais valendo-se de uma combinação de nanotecnologia, quimioterapia e um anticorpo monoclonal.

O glioblastoma multiforme, além de representar 60% de todos os cânceres cerebrais, é também o tipo mais agressivo. Mesmo com cirurgia, radioterapia e quimioterapia convencional, a média de sobrevida dos pacientes gira em torno de 14 meses. Um dos motivos para isso é o de que esse tumor cria vasos sanguíneos próprios de maneira acelerada para se desenvolver – processo conhecido como angiogênese.

“E, por estar localizado no cérebro, há uma dificuldade adicional: fazer os fármacos atravessarem a barreira hematoencefálica [estrutura que filtra a passagem de substâncias para o sistema nervoso central] e chegarem até ele”, completa Leonardo DI Filippo, farmacêutico-bioquímico do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara.

Para contornar esses desafios, Di Filippo e outros pesquisadores da Unesp, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto incorporaram o docetaxel, um quimioterápico potente, a um carreador lipídico nanoestruturado – uma formulação à base de lipídeos que consegue passar pela barreira hematoencefálica. “Fizemos uma formulação em que as substâncias se combinam de maneira estável”, comenta Di Filippo.

Os profissionais ainda acoplaram a esse carreador o bevacizumabe, um anticorpo monoclonal já aprovado para outros fins que mira o fator de crescimento endotelial (VEGF, na sigla em inglês). “Essa é a proteína do câncer que estimula a angiogênese e que tende a ser superexpressada no glioblastoma multiforme”, explica Di Filippo. Ou seja, a proposta foi criar uma formulação capaz de entrar no cérebro, dirigir-se especificamente ao tumor e, então, liberar um quimioterápico para destruí-lo.

“O desenvolvimento desse sistema, com essa aplicação, trata-se de uma inovação”, diz Marlus Chorili , professor da Unesp e coordenador do projeto, que teve apoio da FAPESP.

Testes de qualidade

Uma vez criado o carreador lipídico nanoestruturado com docetaxel e bevacizumabe, os pesquisadores começaram a verificar se ele atendia a critérios básicos. No laboratório, verificou-se que possuía 128 nanômetros, tamanho adequado para passar pela barreira hematoencefálica.

O produto também conseguiu aprisionar 90% do docetaxel e manter 62% do bevacizumabe acoplado em sua estrutura. “São números positivos. Dentro desses limiares, conseguimos garantir concentrações terapêuticas adequadas”, ressalta Di Filippo.

O próximo passo foi avaliar o efeito do composto em duas linhagens de células de glioblastoma e em células saudáveis. Em comparação com o docetaxel isolado, o nanocarreador eliminou cinco vezes mais células cancerosas, sem afetar as saudáveis.

Entre as linhagens de glioblastoma, o composto foi especialmente eficaz contra a U87MG, que superexpressa o VEGF. Seu efeito foi reduzido na A172, que apresenta menos dessa proteína. “É um dado que reforça a capacidade do nosso nanocarreador de atacar seletivamente as células com alta expressão dessa proteína”, afirma Di Filippo.

Os pesquisadores ainda verificaram que o potencial medicamento conseguiu entrar nas células doentes e liberar o docetaxel de maneira contínua por cerca de 84 horas, o que sugere uma disponibilização prolongada do quimioterápico no organismo.

Bons resultados em animais

A partir de técnicas desenvolvidas pela equipe da Unicamp, ratos foram inoculados com células de glioma (um tipo de câncer similar ao glioblastoma). Passados cinco dias, eles foram divididos em seis grupos: tratamento com placebo; tratamento com docetaxel isolado; tratamento somente com o nanocarreador, sem bevacizumabe e docetaxel; tratamento à base do nanocarreador com bevacizumabe, mas sem docetaxel; tratamento à base do nanocarreador com docetaxel, mas sem bevacizumabe; e tratamento à base do nanocarreador com docetaxel e bevacizumabe.

Após 15 dias de terapia, notou-se que os quatro primeiros grupos não colheram benefícios da terapia. Já o nanocarreador com docetaxel promoveu uma redução de 40% no volume do câncer dentro do cérebro. E, quando o composto ainda possuía o bevacizumabe, essa diminuição alcançou 70%. “É um número bastante significativo para trabalhos desse tipo”, comemora Chorilli.

A formulação também não apresentou piores índices de biomarcadores como albumina e creatinina, quando comparada ao uso isolado do docetaxel. “Isso indica que a toxicidade não foi intensificada”, contextualiza Di Filippo.

Desdobramentos

Chorilli destaca que, embora animadores, esses são os primeiros experimentos com o carreador lipídico nanoestruturado em questão com esta aplicação. “Precisamos seguir avançando com mais estudos em células isoladas e animais”, pondera. “Se as pesquisas continuarem a apresentar resultados positivos contra o glioblastoma multiforme, poderíamos tentar encontrar parcerias para realizar ensaios clínicos com voluntários”, arremata.

O profissional acrescenta que esse artigo reforça o potencial dos nanocarreadores lipídicos no enfrentamento dos tumores malignos. “Nós podemos usar combinações diferentes, com outros anticorpos monoclonais e quimioterápicos, contra outras linhagens de câncer”, exemplifica Chorilli. “Essa é uma linha de pesquisa que sem dúvida tem muitos anos pela frente”, destaca.

Chorilli, aliás, estuda métodos similares contra infecções, como a da bactéria Helicobacter pylori, que causa gastrite. O trabalho também tem apoio da FAPESP.

Fonte: NEWSLAB

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