Anemia falciforme: terapia genética é esperança contra doença ‘invisível’ que afeta dezenas de milhares de brasileiros

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A agência regulatória do Reino Unido alcançou um marco histórico ao aprovar a primeira terapia genética global destinada a curar duas doenças que afetam as células sanguíneas: a doença falciforme e a beta talassemia. Essa inovação, que utiliza a técnica de edição genética conhecida como Crispr, foi desenvolvida pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, laureadas com o Prêmio Nobel em 2020.

Este avanço é considerado revolucionário para duas doenças hereditárias que impactam o sangue, ambas causadas por erros no gene da hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio nas hemácias.

O procedimento de terapia gênica envolve a retirada de células-tronco da medula óssea do próprio paciente, seguida pela aplicação da ferramenta de edição genética Crispr em laboratório. Essa tecnologia utiliza “tesouras moleculares” para realizar cortes precisos no DNA das células, desativando assim os genes defeituosos associados aos problemas de saúde. As células modificadas são então reintroduzidas no organismo, permitindo que o corpo produza hemoglobina dentro dos padrões normais.

Em ensaios clínicos que embasaram a aprovação, 28 dos 29 pacientes com anemia falciforme deixaram de apresentar dores intensas, e 39 dos 42 pacientes com beta talassemia não precisaram de transfusões de sangue por pelo menos um ano. A terapia gênica é vista como uma potencial solução permanente para essas condições.

Os testes com essa inovação continuam em andamento no Reino Unido, Estados Unidos, França, Alemanha e Itália. No Reino Unido, aproximadamente 15 mil pessoas têm doença falciforme, a maioria com antecedentes familiares africanos ou caribenhos. No Brasil, onde ainda não há previsão para a chegada dessa nova terapia, estima-se que entre 60 a 100 mil indivíduos possuam anemia falciforme, com cerca de 3 mil novos casos diagnosticados anualmente.

Segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade do SUS, entre 2014 e 2019, a maioria dos pacientes brasileiros com doença falciforme faleceu na segunda década de vida, destacando a gravidade da condição com mais de um óbito diário e uma média de um óbito semanal em crianças de 0 a 5 anos.

A beta talassemia afeta mais de mil pessoas no Reino Unido, geralmente com origens familiares relacionadas a regiões como o Mediterrâneo, o Sudeste Asiático e o Oriente Médio. No Brasil, estima-se que cerca de mil brasileiros apresentem as formas mais graves de talassemia.

Julian Beach, diretor executivo interino de Qualidade e Acesso aos Cuidados de Saúde da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) do Reino Unido, ressalta que, até o momento, o transplante de medula óssea era a única opção de tratamento permanente para essas condições. Com a aprovação da terapia genética, denominada comercialmente Casgevy, Beach destaca a ampliação do arsenal terapêutico.

Os ensaios clínicos demonstraram que a terapia restaura a produção saudável de hemoglobina na maioria dos participantes, aliviando os sintomas. Pacientes, como Imi Olaghere, expressam uma sensação de renascimento após o tratamento, evidenciando o impacto positivo na qualidade de vida.

John James, presidente da Sickle Cell Society no Reino Unido, destaca a importância do novo tratamento, considerando a doença falciforme uma condição debilitante e dolorosa que leva à mortalidade precoce. Ele enfatiza que, atualmente, há poucos medicamentos disponíveis para os pacientes, tornando a terapia genética uma notícia bem-vinda para melhorar significativamente a qualidade de vida.

Quanto ao custo do Casgevy, ainda não foi definido, mas especula-se que possa atingir 1 milhão de libras (R$ 6 milhões) ou mais, levantando preocupações sobre a acessibilidade aos serviços públicos de saúde. A Vertex, empresa farmacêutica americana responsável pela terapia gênica, busca uma ampla utilização do produto, mas reconhece a necessidade de estabelecer um preço viável para os sistemas de saúde públicos. O Instituto de Revisão Clínica e Econômica dos Estados Unidos sugeriu que o tratamento só seria rentável se ultrapassasse 1,5 milhão de libras (R$ 9 milhões). Essa terapia personalizada, feita a partir de ajustes nas células do próprio paciente, envolve custos consideráveis de pesquisa e desenvolvimento, o que contribui para a complexidade dos valores envolvidos.

Fonte: BBC News Brasil

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