Um paciente busca uma clínica de saúde visando o tratamento estético com aplicação Toxina Botulínica; encontra uma empresa bem localizada, bem decorada, aparentemente confiável e decide fazer o procedimento junto àqueles profissionais que aparentavam ser dermatologistas, correndo tudo certo, sem qualquer intercorrência, tendo obtido o resultado que desejava.
Passado um tempo, ficou sabendo que o profissional que o atendeu sequer era médico, mas fisioterapeuta e que não tinha autorização para realizar o procedimento, o que gera uma dúvida: deu tudo certo, não houve nenhuma intercorrência e obtive o resultado que desejava, haveria algum argumento para buscar uma eventual indenização na justiça?
O Tribunal de Justiça de São Paulo diz que sim!
O caso ocorreu em Santo André/SP, sendo que a paciente pleiteou direito à reparação por conta da constatação, posterior ao procedimento, da falta de habilitação da profissional.
Ficou comprovado, no processo, que, em relação ao procedimento, não houve qualquer vício, mas a angústia da autora foi relacionada ao fato de ter se sentido ludibriada ao ser levada a crer que se tratava de médica dermatologista, configurando uma propaganda enganosa e abusiva.
O dano moral é absolutamente personalíssimo, ou seja, o que pode ser lesivo para mim, pode não ser para você, ao mesmo tempo que certas situações são consideradas quase que, objetivamente, lesivas, especialmente quando falamos em direito do consumidor.
No caso, apesar de a clínica estar devidamente registrada na junta comercial como clínica de fisioterapia, nada no local indicava ser um estabelecimento para aquela atividade, sendo que seus sinais visuais eram todos limitados ao nome fantasia e a palavra “clínica”.
O processo constatou, ainda, que nas redes sociais também não havia alusão à real natureza do estabelecimento com sendo centro de fisioterapia, mas, em verdade, era associada a procedimentos estéticos com a menção à existência de dermatologista.
Pesou em desfavor da clínica o fato de que no saguão de entrada do estabelecimento havia uma placa de tamanho considerável que, além de contar a palavra “clínica”, seguida do nome fantasia da empresa, ainda apresentava o nome da profissional abaixo e ao fim lia-se “Estética/Dermatologia/Odontologia Estética”, tendo levado a juíza do caso a entender que essa associação de palavras conduziu a paciente a crer que ali havia uma médica dermatologista.
E ainda, de forma um pouco exagerada e deveras elitista, uma das fundamentações lançadas na decisão argumenta que, o fato de que o chamamento por “doutor” no Brasil ser somente aquele profissional com doutorado ou médico, auxiliou na falsa sensação de que a paciente estava, de fato, a lidar com uma dermatologista. Argumento que, confesso, questionável e possivelmente não seria o formador de meu juízo.
Diante disso, entendeu o Poder Judiciário que houve ali um dano moral causado à paciente pela propaganda enganosa, tendo condenado a clínica em danos morais na monta de R$ 50.000,00, que foram reduzidos em sede de recurso para R$ 10.000,00. O processo ainda segue, sem ter uma resposta definitiva.
De qualquer forma, a discussão primaria que acaba ficando é a de que é preciso que pacientes que buscam tratamentos estéticos, eletivos e não urgentes, ainda mais aqueles mais caros ou de complexidade elevada, devem ter mínima consciência do risco às próprias vidas, valendo destinar alguns minutos do tempo para fazer uma simples pesquisa quanto à qualificação do profissional.
No caso, não estava em discussão a legalidade de o fisioterapeuta realizar o procedimento estético, mas discute-se o direito à informação esclarecida; direito este que impõe ao profissional permitir ao paciente saber quem é aquele especialista que está ali, prestando-lhe atendimento/consulta/serviço.
De qualquer forma, caso a paciente tivesse realizado pesquisa, não encontraria um número de registro da profissional junto ao Conselho Federal de Medicina, o que já deveria acender uma luz vermelha.
Ainda, mesmo que soubesse ser a profissional uma fisioterapeuta, será que seria difícil a paciente se informar sobre a possibilidade/legalidade de fisioterapeuta realizar o procedimento estético (desconsiderando a quebra de confiança gerada pela aparência de ser uma médica)? Com certeza encontraria!
A capacidade de obter informação nos dias de hoje é fenomenal, basta pesquisar na internet que ela encontraria, pelo menos, o imenso debate acerca da Resolução nº 394/2011 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, que prevê a possibilidade de alguns tratamentos estéticos por fisioterapeutas, o que já colocaria a paciente em alerta sobre a capacitação técnica da profissional para realizar os procedimentos.
Isso porque, apesar da existência da referida Resolução do COFFITO, essa permissão não é fixada por lei ou por norma, sendo que os representantes da classe médica contestam essa permissibilidade ante a característica invasiva do procedimento. O Decreto-Lei nº 938/1969 prevê a atuação da fisioterapia somente com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade mental e física por meio de métodos e técnicas fisioterápicos. Assim, quando o Conselho profissional de fisioterapia cria a competência estética aos fisioterapeutas por meio de uma Resolução, concebe permissividade de um procedimento não discutido em lei, além de, salvo melhor juízo, extrapolar seus poderes como Conselho. Soma-se a isso que a Lei do Ato Médico prevê ser ato privativo do médico o diagnóstico e prognóstico, de modo que os procedimentos dermatológicos realizados por fisioterapeutas são, a princípio, questionáveis judicialmente.
A discussão não é nova e muito menos simples, razão pela qual há inúmeras fontes informacionais às mãos do paciente que os permitem tomar uma decisão de forma pensada, ainda mais quando falamos de procedimento eletivo, não urgente e estético.
Por outro lado, de fato, tentar advogar pela não condenação ao argumento de “a paciente não pesquisou” seria desarrazoado, vez que cabe ao profissional o dever de ser, além de leal, honesto e agir dentro das linhas de sua profissão, ou seja, não realizando procedimentos ou atuando como profissional que não tenha autorização para praticar aquela profissão sob pena de, além da indenização ao paciente pela falta de informação, ainda responder eticamente junto ao seu Conselho e, a mais grave, ser alvo de um processo penal.
Para contextualizar, toda profissão que é regulamentada por lei detém as qualificações para a sua graduação, especialização e habilitação (inscrição) bem definidas; e quando o profissional que não cumpre esses requisitos exerce atos privativos de outra profissão, está passível de ser processado criminalmente pela contravenção penal prevista no Decreto-Lei 3.688/41:
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.
Assim sendo, a mensagem que fica a você, paciente, é, independente do procedimento, tire um tempo para saber um pouco mais sobre o profissional que realizará o ato, questione e converse com ele, sendo que suas qualificações estão sempre disponíveis junto aos órgãos de Conselho de Classe e Associações específicas; e a você, profissional, a instrução é para que sempre seja leal com seus pacientes, inclusive em seus estabelecimentos, consultórios e clínicas, atue no limites da sua especialidade, expondo aos pacientes a sua conduta profissional e, quando possível, as técnicas e o passo a passo do procedimento, reduzindo tudo a termo no TCLE.
Caso tenha alguma dúvida, seja profissional ou paciente, sempre consulte um advogado de sua confiança.
Autores: Daniele Queiroz de Souza. Graduada em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Pós-graduada em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pela USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT); Membro Efetivo Observatório Nacional de Direito Médico e da Saúde; Secretária-Geral (2023) da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação Jurídica OAB/DF – Subseção Taguatinga; Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/DF; Advogada. danieleqsadv@gmail.com
Flávio Dias de Abreu Filho. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF; mestrando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) em Brasília/DF, diretor jurídico da Associação de Empresas de Engenharia e Limpeza Urbana do Brasil – ALUBRÁS, advogado sócio do escritório Abreu&Abreu advogados. diasdeabreu@abreueabreu.com