A tuberculose é a doença infecciosa que mais mata no mundo. De acordo com o Ministério da Saúde, foram notificados 68.271 casos novos no Brasil em 2021. Conhecida pelo seu alto grau de transmissibilidade, a peça-chave no tratamento e controle é o diagnóstico precoce. O pesquisador Kleydson Andrade, doutor pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, estudou os impactos da incorporação do Teste Rápido Molecular (TRM) para o diagnóstico de tuberculose no Sistema Único de Saúde (SUS), e aponta como a incorporação de tecnologias mais sensíveis e específicas pode aumentar a detecção de doenças e melhorar a fiscalização de novos casos.
O TRM, introduzido no SUS no ano de 2014, é feito a partir de uma amostra de escarro do paciente, que é colocada em um cartucho e inserida em uma máquina que realiza o teste. O resultado vem depois de 1 hora e 40 minutos e já indica se a tuberculose é resistente ao antibiótico rifampicina – principal medicamento utilizado no tratamento da doença. “Quando se incorpora o teste rápido molecular, aumenta-se a sensibilidade da porta de entrada desse paciente no sistema de saúde de 60% para 95%. Ou seja, em quase todos os casos, o teste é capaz de diagnosticar a tuberculose”, diz o pesquisador ao Jornal da USP.
O trabalho, cujos resultados foram apresentados ao Ministério da Saúde, confirmou os impactos positivos da implementação do teste rápido molecular na estratégia de controle da doença no Brasil, com um aumento no porcentual de pessoas diagnosticadas e uma expressiva diminuição do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento da tuberculose resistente a medicamentos. “Antes, o tempo médio para início do tratamento da tuberculose no Brasil era em torno de 138 dias. Após a incorporação da rede de teste rápido, isso caiu para 38 dias”, coloca o pesquisador.
Os resultados foram alcançados por meio da análise de dados de 121 municípios brasileiros que dispunham do aparelho para a realização do teste, avaliando e comparando os indicadores da tuberculose antes e depois da implantação do teste rápido.
“Começar o tratamento de forma rápida é necessário para quebrar a cadeia de transmissão. A tuberculose é transmitida pelo ar, então uma pessoa sem tratamento consegue infectar até outras dez e, desse número, 5% a 10% vão desenvolver a doença”, alega Kleydson Andrade. A tuberculose é uma doença incapacitante e seu tratamento – que é oferecido gratuita e exclusivamente pelo SUS – tem uma duração de seis meses e deve ser seguido com rigor, uma vez que o abandono pode ocasionar o desenvolvimento da forma resistente da doença. No caso da tuberculose drogarresistente TBDR, o tratamento pode durar de 18 a 24 meses.
“Nós não conseguimos quebrar a cadeia de transmissão da tuberculose sem um diagnóstico rápido e sem o tratamento eficaz e curto.”
A reestruturação da rede laboratorial brasileira também é outro destaque proveitoso do teste rápido molecular. “Nós observamos que, a partir do momento que as amostras dos pacientes foram para um laboratório, houve uma reestruturação no estabelecimento para atender a esse volume. E isso se reflete também na série histórica em que houve um aumento na realização do exame de cultura entre os pacientes”, diz Andrade. A recomendação do Ministério da Saúde para o teste positivo para tuberculose resistente é a realização do cultivo controlado da bactéria, seguido de testes de sensibilidade com diferentes antibióticos para verificar qual medicamento é mais efetivo.
Urgência na tomada de ações
A tuberculose é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, conhecida como bacilo de Koch. A doença afeta principalmente os pulmões, embora possa acometer outros órgãos e sistemas. Com um alto grau de transmissibilidade e necessidade de tratamento contínuo, a doença afeta principalmente a população em situação grave vulnerabilidade social, como indígenas, pessoas privadas de liberdade e em situação de rua.
“Não diagnosticar um paciente com tuberculose quer dizer que essa pessoa continuará transmitindo para outras e que ela não vai se curar. Seu quadro irá piorar e ela vai voltar para o serviço de saúde com a doença mais avançada”, adiciona Andrade.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o déficit de investimento para pesquisa em tuberculose é de cerca de US$ 2 bilhões ao ano. “Nós não vamos conseguir enfrentar uma das doenças mais antigas da humanidade – e que continua matando de forma inadvertida – sem uma vacina eficaz. A tuberculose é uma doença incapacitante e relacionada à pobreza, e talvez por isso não é tão visibilizada. É uma doença que se não for diagnosticada de forma adequada, e de forma correta, pode evoluir a óbito”, frisa o pesquisador.
Os resultados obtidos no estudo foram apresentados ao Ministério da Saúde e são importantes para a análise da efetividade da implementação de novas tecnologias no SUS, além de ajudar a elaborar políticas de controle e vigilância para a tuberculose. “O SUS foi minha formação. Eu venho da universidade pública, fiz meu mestrado e doutorado lá. Então dar essa devolutiva para o Ministério da Saúde foi importante para indicar que, mesmo sendo uma estratégia cara, o resultado está aí, mostrando o quanto a incorporação de uma tecnologia impacta a assistência do paciente com tuberculose”, afirma.
Atualmente, o Brasil possui o Plano Brasil Livre da Tuberculose, publicado em 2017 e republicado em 2021, e centrado em três pilares: prevenção e cuidado integrado e centrado na pessoa; políticas arrojadas e sistema de apoio; intensificação da pesquisa e inovação. O plano tem como meta a redução de 90% do coeficiente de incidência da doença e uma redução de 95% no número de mortes por ela no País até 2035.
Os dados utilizados na matéria fazem parte da tese de doutorado de Kleydson Andrade, Impacto da implantação do teste rápido molecular para tuberculose no Brasil, realizada sob orientação de Eliseu Alves Waldman.
Fonte: NEWSLAB