Conselho Federal de Medicina proíbe médicos de prescrever hormônios para estética e ganho de massa muscular

0
128

Em nossa última coluna aqui no portal falamos sobre a responsabilidade civil objetiva do profissional de saúde em procedimentos estéticos e como o entendimento dos tribunais nacionais não é, em nossa opinião, o mais correto, por compreender o procedimento estético como sendo obrigação de resultado.

Agora, no dia 11 de abril de 2023, o Conselho Federal de Medicina publicou, no Diário Oficial da União, a Resolução CFM nº 2.333, que adota as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes de acordo com às evidências científicas disponíveis sobre os riscos e malefícios à saúde, contraindicando o uso com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.

Na prática, o CFM torna eticamente irresponsável o médico que receitar uso de esteroides androgênicos e anabolizantes com finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo. Dentro destas proibições, fica expressamente vedado aos médicos, no exercício da medicina, o uso e a divulgação dos seguintes procedimentos:

I – Utilização em pessoas de qualquer formulação de testosterona sem a devida comprovação diagnóstica de sua deficiência, excetuando-se situações regulamentadas por resolução específica;

II – Utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade estética;

III – Utilização de formulações de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com a finalidade de melhora do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais;

IV – A prescrição de hormônios divulgados como “bioidênticos”, em formulação “nano” ou nomenclaturas de cunho comercial e sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista nesta resolução.

V – A prescrição de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS), para qualquer indicação, por serem produtos com a comercialização e divulgação suspensa no Brasil.

VI – Realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular e fazendo apologia a possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular (hipertrofia) ou de melhora de performance esportiva.

O que se percebe pelas considerações feitas pelo CFM é que a ausência, comprovada, do benefício terapêutico próprio de aplicações hormonais aos pacientes, mesmo quando considerado necessário pelo médico assistente, requer uma regulamentação própria da entidade relacionada a utilização dos fármacos para fins estéticos, ganho de massa muscular e melhoramento esportivo. 

Segundo as considerações da Resolução, a ideia é pautada no fato de que ao médico cabe o zelo quanto à segurança do paciente, e que as intervenções médicas devem ter por base as melhores evidências clínico-epidemiológicas disponíveis que indiquem efeito terapêutico benéfico que suplantem os potenciais efeitos adversos, preferencialmente por meio de estudos prospectivos e controlados.

Ainda, já era vedado ao médico usar, experimentalmente, qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso em nosso país, tendo em vista os potenciais riscos de doses inadequadas de hormônios, e que mesmo as doses terapêuticas podem desencadear efeitos colaterais danosos; assim, importa reconhecer os potenciais danos relacionados à liberação aos profissionais para a prescrição destes medicamentos com as finalidades especificadas na Resolução.

Em uma avaliação multidisciplinar, o CFM recorreu ao que diz o próprio Código de Conduta Ética do Comitê Olímpico Brasileiro que, expressamente, veda o uso de terapias para melhorias do desempenho físico na prática desportiva, e que acarretaria na absoluta impossibilidade de prescrição médica com essa finalidade.

Questão interessante de menção é o fato de que o CFM levou em consideração, também, o que ele chamou de “proliferação” de cursos de especialização sobre terapias hormonais voltadas à estética e ao ganho de desempenho esportivo, cuja a base é o treinamento profissional, seja para prescrição dos hormônios e outros tratamentos “sem comprovação científica”, seja com “supostos” objetivos de obter ganho estético ou melhora de performance esportiva. Adiciona-se, ainda, um ambiente virtual das mídias sociais propício à difusão dessas terapias que geram riscos aos pacientes que consomem o conteúdo.

É inegável que em uma sociedade cada vez mais midiática, a população é constantemente bombardeada por propagandas de melhorias estéticas para o corpo e saúde. A proliferação de canais no Youtube, facebook, instagram e outras redes sociais, levaram a um aumento vertiginoso da procura de fármacos capazes de modificar a capacidade biológica do paciente, com fins de atingir os resultados ideais de uma estética corporal. E, querendo ou não, a influência da era digital gera um impacto significativo na tomada de decisão do paciente.

Podemos citar, por exemplo, o caso recente do influenciador chamado de Liverking, um bodybilder que alegava manter um corpo escultural somente à base de alimentos crus, especialmente fígado cru, tendo acumulado 1.8 milhões de seguidores no Instagram e mais de 3 milhões no TikTok. O influenciador possuía lojas próprias de venda de suplementação alimentar e outros itens voltados para o seguimento fitness, faturando milhões de dólares, passando uma imagem de que seu corpo era absolutamente natural, obtido por meio do que chamava de “dieta primitiva”.

Em dezembro de 2022, e-mails vazados mostraram que o influenciador gastava algo em torno de 10 mil dólares ao mês com anabolizantes e outros produtos, todos legalizados e com prescrição médica, mas os quais eram os verdadeiros motivos que deixavam seu corpo naquela forma.

Repetimos o que já manifestamos em relação às modificações estéticas em nossa última coluna, onde entendemos que a decisão de aplicação de qualquer produto ou mesmo realização de qualquer procedimento, seja aplicação de Botox ou de cirurgia complexa com fim embelezador, é individual e pessoal, mas aos profissionais de saúde que realizam esses procedimentos cabe o dever de cautela. Aquela máxima que alguns pacientes podem alegar de que “eu conheço meu corpo e meus limites” não têm validade para responsabilidade do profissional de saúde, se a ele cabia o dever de cuidado.

A problemática gerada com o caso do liverking era a maquinação gerada pelo indivíduo que se utilizava dos hormônios, mesmo que legalizados, para vender uma imagem de falsa realidade, embasada em uma mentira com fins de converter seguidores para suas redes sociais e consumidores para suas lojas.

Pensando por esse lado, talvez o que o CRM queria é a afastar da classe médica o risco de serem puxados para uma eventual responsabilização gerada pela irresponsabilidade de algumas pessoa; melhor dizendo, o Conselho não poderia ficar apático diante de uma situação que iria chegar, eventualmente, na alegação de complacência da categoria com esse tipo de conduta de alguns pacientes.   

O que o CRM fez com essa regulamentação será vista tanto de forma negativa quanto positiva, a depender do cenário ou do grupo que leitor se insere. Já aproveitando para levantar alguns dos eventuais argumentos que serão possivelmente aventados, prevemos: i) o CFM limitou a atuação dos profissionais de saúde, impedindo a prescrição de hormônios a pessoas que desejam, por exemplo, ganhar massa muscular, tirando, em parte, a liberdade de atuação do profissional; ii) Ao passo que também limitou o princípio da autonomia da vontade do paciente impedindo-o de ter acesso ao medicamento através do acompanhamento, mesmo sabendo das contraindicações e consequências; ou iii) garantiu ao profissional de saúde o direito de recusar a vontade do paciente – o que já existia em razão da autonomia médica e da objeção e consciência, contudo, agora há uma força maior respaldada na Resolução do CFM.

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM já se manifestou, por exemplo, comemorando a Resolução[1], ao entender que a norma protege a sociedade de uma narrativa de que existe segurança no uso de terapias hormonais para finalidades estéticas. Enquanto, por outro lado, você, paciente que já aplicava e tinha costume de utilizar esses tratamentos para ganhar massa muscular, seja qual for seu objetivo, com a resolução não terá mais possibilidade de que seu médico lhe prescreva os produtos, tirando-lhe, de fato, o direito de escolha sobre o que fazer com seu próprio corpo. 

A Associação Brasileira de Harmonização Orofacial – ABRAHOF, por sua vez, se manifestou, em suas redes sociais, afirmando que a resolução somente é vinculada aos médicos, e que a utilização dos hormônios, sejam eles esteroides ou não, podem ser receitados para fins estéticos, terapêuticos e/ou funcionais pelos profissionais da Harmonização Orofacial, reconhecidos pelo Conselho Federal de Odontologia – CFO.

E por fim, os profissionais médicos que receitavam esses tratamentos com finalidade de se manterem no mercado, poderão continuar aplicando o tratamento hormonal, mas limitado aos casos que realmente necessitam da conduta, ou seja, sem finalidade estética/esportiva, mas sim em caso de tratamento de saúde, dando, de fato, mais autonomia para os médicos recusarem certas vontades irrazoáveis de alguns pacientes, de acordo com a consciência do próprio profissional.

De qualquer forma, é bem possível que veremos diversos profissionais e pacientes buscando “medidas alternativas” para continuar a aplicação do tratamento hormonal, com a finalidade estética e esportiva, afinal, é bem sabido que a existência de uma norma não impede a clandestinidade. Mas, para o Direito e eventuais responsabilizações éticas, cíveis ou penais, passa a se ter uma norma regulamentadora que torna violação moral a conduta de prescrever tratamentos hormonais para fins estéticos e esportivos, e é isso que o médico tem que ter em mente.

Autores: Daniele Queiroz de Souza. Graduada em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Pós-graduada em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pela USP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT); Membro Efetivo Observatório Nacional de Direito Médico e da Saúde; Vice-Presidente (2023) da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação Jurídica OAB/DF – Subseção Taguatinga; Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/DF; Advogada. danieleqsadv@gmail.com

Flávio Dias de Abreu Filho. Graduado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa  (IDP) em Brasília/DF; mestrando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa  (IDP) em Brasília/DF, diretor jurídico da Associação de Empresas de Engenharia e Limpeza Urbana do Brasil – ALUBRÁS, advogado sócio do escritório Abreu&Abreu advogados. diasdeabreu@abreueabreu.com


[1] https://noticias.r7.com/saude/vitoria-da-boa-medicina-e-da-ciencia-diz-sociedade-medica-sobre-proibicao-de-anabolizantes-11042023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


CAPTCHA Image
Reload Image