Dentre as principais novidades nos tratamentos para linfoma, apresentadas na 62ª edição do Encontro Anual da Sociedade Americana de Hematologia (ASH), estão novos medicamentos e possibilidades de utilização das drogas já conhecidas em novos cenários.
O ASH 2020 aconteceu entre os dias 5 e 8 de dezembro do ano passado e, devido à pandemia, foi no formato online. Durante o congresso, os médicos puderam compartilhar, debater e apresentar resultados dos trabalhos científicos realizados a respeito de tratamentos para doenças hematológicas.
O Dr. Marcelo Bellesso, hematologista Gerente Médico do Instituto de Ensino e Pesquisa Hemomed e Médico Assistente do Instituto Hemomed, conta que grande parte dos estudos que apresentam novas terapias ainda estão em fase de estudo clínico. Dessa forma, ainda estão restritas para os pacientes voluntários.
“As drogas são promissoras, porém ainda não serão utilizadas na prática clínica. Isso acontece porque ainda estão em análise, sendo necessários estudos fase 3 para confirmação e regulamentação”, diz.
Tratamentos para linfoma de Hodgkin
Para os pacientes desse grupo, o Dr. Bellesso ressalta o uso de inibidores de checkpoints e dois estudos focando a consolidação após o transplante de medula óssea. Além disso, conta também sobre um estudo para pacientes de linfoma de Hodgkin (LH) idosos.
Em relação aos inibidores, o hematologista cita um estudo de fase 2 utilizando o medicamento Pembrolizumabe. Ele foi administrado em combinação com poliquimioterapia (Gencitabina, Vinorelbina e Doxorrubicina lipossomal) em pacientes com LH recaído ou refratário. Os resultados demonstraram excelente eficácia como “ponte” para o transplante de medula óssea autólogo (AUTO-TMO).
“É possível notar que o uso de inibidores de checkpoints para o linfoma de Hodgkin está sendo estudado para uso cada vez mais precoce”, diz o médico.
Já para a fase de consolidação, a primeira pesquisa destacada também é de fase 2 e envolve o Brentuximab vedotin. Essa droga é um anticorpo monoclonal conjugado direcionado ao CD30 e, nesse estudo, foi combinada com Nivolumabe, inibidor de check-point. O protocolo foi avaliado em pacientes também recidivados ou refratários de alto risco após o AUTO-TMO.
“Tal estudo demonstrou resultados interessantes de eficácia, diminuindo o risco de nova recaída”, o doutor explica.
A segunda pesquisa analisou o uso do Brentuximab vedotin no mesmo grupo de pacientes, porém com a diferença que esse estudo foi feito na “vida real”. Ou seja, em pacientes na prática clínica, que não passaram pela seleção rigorosa de um estudo clínico.
“O estudo demonstrou resultados similares ao estudo fase 3 publicado em 2015. Isto torna-se importante, pois consolida uma informação que foi publicada em um grupo de pacientes assistidos na vida prática, sem a interferência dos rigorosos critérios de seleção da pesquisa original”, o Dr. Bellesso explica.
Tratamentos de linfoma em idoso
Para o grupo de pacientes idosos, foi apresentado um estudo que também avaliou o uso do Brentuximabe. Ele foi testado como monoterapia e em três possíveis combinações: 1ª- quimioterápico Dacarbazina; 2ª- quimioterápico Bendamustina e 3ª- Nivolumabe. Essas possibilidades foram estudadas, principalmente, porque os pacientes idosos costumam apresentar altas taxas de toxicidade com a combinação de múltiplos quimioterápicos.
De acordo com o hematologista, “embora o estudo tenha avaliado poucos pacientes, foi possível observar boa tolerabilidade com excelentes taxas de resposta. ”
Tratamentos para linfoma não-Hodgkin (LNH)
Para os linfomas indolentes, o principal destaque foram os estudos avaliando tratamento sem quimioterapia clássica. Enquanto que para os linfomas agressivos, uma apresentação sobre a consolidação após o AUTO-TMO se distinguiu das outras.
No caso dos indolentes, um subgrupo de acientes com mais de 70 anos foi submetido ao Rituximabe e à Lenalidomida como manutenção. Os resultados, segundo o especialista, são encorajadores em relação à eficácia e com atenção ao manejo de redução de dose.
Para os pacientes com Macroglobulinemia de Waldenstrom, foi exposto o seguimento do estudo INNOVATE. Manteve-se o benefício real em relação à sobrevida livre de evento para aqueles que foram submetidos ao protocolo Rituximabe e Ibrutinibe.
Enquanto que para os agressivos, foi feita a apresentação de um estudo retrospectivo italiano avaliando pacientes com linfomas altamente agressivos com rearranjos genéticos MYC com BCL2 e/ou BCL6. Eles foram tratados com protocolo DA-R-EPOCH (dose ajustada de Rituximabe, Etoposídeo, Prednisolona, Vincristina, Ciclofosfamida e Doxorrubicina) avaliando a importância, ou não, da consolidação com AUTO-TMO. Os resultados demonstrados foram benéficos, encorajando o meio científico a elaborar estudos randomizados no futuro.
Para o linfoma de célula T periférico, um estudo de fase 3 analisou o benefício de utilizar Romidepsina no protocolo. Um grupo foi submetido à combinação de Romidepsina com CHOP (Ciclofosfamida, Doxorrubicina, Vincristina e Prednisona). Já o segundo, realizou, somente, CHOP. Não houve vantagem em acrescentar a Romidepsina ao tratamento.
Tratamentos de linfoma de não-Hodgking em idoso
“Um estudo fase 2 avaliou pacientes com esse perfil com diagnóstico de Linfoma Difuso de Grandes Células B, classificados com subtipo específico (Não Centro Germinativo)”, destaca o médico
Foi utilizada a combinação Ibrutinibe, Ritixumab e quimioterapia (Gencitabina e Oxaliplatina). O Dr. Marcelo considera que os resultados demonstrados foram interessantes no subgrupo de pacientes que apresentaram recidiva.
Tratamentos de LNH com CAR-T Cell
Para pacientes com linfoma de células do manto, foi apresentado um estudo de fase 1 com determinação e expansão de células CAR-T liso-cel. Os resultados demonstraram baixa incidência de toxicidade intensa.
Outra apresentação relevante foi a que avaliou o re-tratamento com CART-Cell (axi-cel) em pacientes com linfoma indolente recidivado ou refratário.
“Embora o número de pacientes tenha sido pequeno, foi demonstrada alta taxa de resposta”, informa o Dr. Bellesso.
Apesar de não serem definidas como CAR-T Cell, o especialista salienta um estudo feito com as células Natural Killer (células NK).
“As células NK são capazes de atacar células tumorais ou células infectadas. Essas células NK doadas foram expandidas no laboratório e, após quimioterapia combinada com rituximab, foram infundidas em pacientes com LNH recidivado ou refratário. Foi demonstrado um número pequeno de pacientes com boas taxas de respostas. Estudos como este tornam-se importantes, pois evidenciam uma potencial nova estratégia terapêutica”, diz.
Linfoma no sistema nervoso central
Para a prevenção de recaída do linfoma no sistema nervoso central (SNC) foi apresentado um estudo retrospectivo. Os resultados mostraram que não houve diferença em submeter, ou não, o paciente ao metotrexato em altas doses.
“Esse resultado instigante, sob meu ponto de vista, não muda a conduta que, habitualmente, fazemos. Isso acontece porque o grupo que foi demonstrado foi de alto risco e necessitamos de estudos prospectivos para confirmar tal dado. Por outro lado, para os pacientes nos quais não conseguimos fazer tal profilaxia frente às comorbidades, principalmente disfunção renal, ajuda a nos tranquilizar quando não podemos utilizar o metotrexato”, o Dr. Bellesso conta.
Ele também ressalta um estudo de fase 2 que utilizou o Pembrolizumabe, como terapia única. Nesse estudo, os pacientes eram de linfoma primário de SNC recidivado ou refratário, que já haviam sido tratados com metotrexato. Os resultados obtidos foram satisfatórios, especialmente considerando que esses pacientes têm um perfil que, normalmente, apresenta baixa taxa de resposta com quimioterapia comum.
Tratamentos para linfoma: Novos medicamentos
Dentre as novas drogas apresentadas em estudo de fase 1 ou 2, o médico destaca as quatro mais relevantes.
LOXO-305: um inibidor não covalente de Bruton Kinase altamente seletivo para pacientes com linfoma de células do Manto, Macroglobulinemia de Waldenström e outros linfomas não-Hodgkin.
VLS-101: um anticorpo conjugado monoclonal que reconhece ROR1 com citotoxina anti-microtúbulo em pacientes recidivados ou refratários com linfoma difuso de grandes células B e linfoma do Manto.
“Esses estudos demonstraram toxicidades toleráveis, possibilitando novos estudos para análise de eficácia”, ele fala.
Selinexor: inibidor XPO1 combinado com R-CHOP em pacientes sem tratamento prévio com linfoma difuso de grandes células B em estudo fase 1. O mesmo medicamento também foi analisado em combinação com o protocolo R-ICE para pacientes com linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) recidivado ou refratário. Foi confirmado que a toxicidade é tolerável e que a droga, possivelmente, continuará sendo analisada em estudos de eficácia.
Mosunetuzumabe: anticorpo bi-especifico combinado em com CHOP em pacientes com LDGCB.
“Foram demonstrados dados preliminares de alta taxa de resposta e manejo tolerável, sendo necessário ampliação para novos estudos de eficácia”, o médico explica.
Expectativa x realidade
O hematologista reforça que os estudos apresentando novas drogas e novas combinações de terapias representam tendências para o futuro, mas ainda é preciso realizar mais testes. Assim, elas podem ou não serem confirmadas e, por enquanto, não serão utilizadas na prática clínica.
“Muitos desses trabalhos apresentados são resultados finalizados ou parciais e não publicados por completo. Sem uma publicação na sua íntegra, na qual possamos avaliar com detalhes sobre os critérios de seleção dos pacientes voluntários em pesquisa, como também particularidades dos efeitos colaterais e eficácia em subgrupos de pacientes, torna-se ainda precoce qualquer mudança de conduta. Portanto, os pontos que ressalto são focos de luz que sinalizam tendências que podem ou não serem confirmadas. Assim, a mudança da terapia na prática do consultório demanda maior tempo, amadurecimento dos dados, regulação das terapias e acesso de acordo com as fontes pagadoras”, finaliza o Dr. Marcelo Bellesso.
Fonte: Revista ABRALE ON-LINE