O surgimento de diversos casos de pneumonia na China, no final de 2019, causados por um agente até então desconhecido, despertou o estado de atenção ao redor do mundo, sendo que em janeiro de 2020, o agente etiológico foi identificado como um novo coronavírus (Sars-Cov-2). Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação causada por esse novo vírus como uma pandemia, pois este já havia sido detectado em mais de 100 países (LUDWIG, ZARBOCK., 2020; SAAVEDRA-VELASCO ET AL., 2020), e a doença recebeu o nome de covid-19.
A situação de pandemia é particularmente complicada em países em desenvolvimento, devido à situação socioeconômica e ao potencial sinergismo com outras situações de saúde pública que possam comprometer os sistemas de saúde (SAAVEDRA-VELASCO ET AL., 2020).
A dengue é a arbovirose de maior relevância em nível global, deixando de ser uma doença de casos esporádicos em muitos países, para um problema de saúde pública que atinge diversos países ao redor do mundo (GUZMAN, HARRIS., 2015). O vírus causador da dengue (DENV), pertencente à família Flaviviridae e gênero Flavivírus, é antigenicamente classificado em 4 sorotipos e, dentro desses sorotipos, ainda são classificados em genótipos e clados. A infecção por qualquer um desses sorotipos pode ser assintomática ou ainda, se apresentar como uma doença com sintomas semelhantes à uma gripe, classificada como febre da dengue sem sinais de alerta; febre da dengue com sinais de alerta e por fim, dengue grave, de acordo com a OMS.
O DENV é endêmico em mais de 120 países, principalmente nas faixas tropicais e subtropicais (POLLETT ET AL., 2019). O cenário nacional da febre da dengue costuma atingir seu ápice no mês de abril, período onde o pico de casos é documentado devido às condições favoráveis para a proliferação de seu principal vetor, o Aedes aegypti (STOLERMAN, MAIA, KUTZ., 2019).
O Sars-Cov-2 teve sua circulação documentada no país pela primeira vez em fevereiro de 2020 na cidade de São Paulo, sendo que no mês seguinte, foi decretado o estado de quarentena em todo o Estado (Governo do Estado de São Paulo., 2020; Organização Pan-Americana de Saúde., 2020). Devido ao histórico de casos de dengue no país, bem como a circulação do Sars-Cov-2, surgiu a preocupação natural de que essas epidemias possam estar se sobrepondo e, até mesmo, impactando o diagnóstico de infecções por DENV (DI WU ET AL., 2020).
Segundo o boletim epidemiológico em arbovírus da semana 39\2019 (referente até 23 de setembro de 2019), haviam sido confirmados 16413 casos de dengue no município de São Paulo. Enquanto que o mesmo período em 2020, foram confirmados 1905 casos. Estes números mostram uma diminuição significativa em relação ao ano passado, porém é maior do que a soma dos casos confirmados em 2017 e 2018 (866 e 586 respectivamente) (Prefeitura de São Paulo., 2020). Quando comparado apenas o período de pico (abril de 2019 e abril de 2020), os números de casos confirmados caíram de 4965 para 1429.
De acordo ainda com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, o Estado de São Paulo contabilizou 265 óbitos a partir de, aproximadamente, 444 mil casos confirmados de dengue, em 2019. Ao comparar esses valores com os números disponíveis até setembro de 2020, o Estado de São Paulo já havia confirmado 206.223 casos e 117 óbitos, sendo destaque os municípios de São José do Rio Preto, com 6298 casos, Bauru, com 700 casos e Araraquara com 213 casos (Ministério da Saúde., 2020). Esses números demonstram certa diminuição no número de casos, porém ainda são valores significativos, principalmente se comparados aos anos anteriores, como 2017 e 2018.
Deve ser ressaltado que a vigilância em arbovírus foi suspensa de março até julho de 2020, pois os recursos e mão de obra foram direcionados ao diagnóstico do Sars-Cov-2 (COSEMS\SP). Esta medida pode ter comprometido a notificação do número total de casos, visto que a desinformação em relação à vigilância pode gerar sub-notificações. Outro ponto a ser destacado é que a situação pandêmica do novo coronavírus, bem como certas medidas de segurança sugeridas pelos órgãos de saúde, podem ter contribuído para a diminuição da notificação de casos de outras viroses. Por exemplo, fez parte das recomendações iniciais que, em caso de sintomas leves ou inespecíficos, dar preferência ao teleatendimento e, somente em casos de sintomas graves e compatíveis com a covid-19 o atendimento presencial era recomendado (Câmara Municipal de São Paulo, 2020).
De fato, esta conduta pode ter mascarado a notificação de casos de dengue durante a quarentena. Segundo Mascarenhas ET AL (2020), após a semana epidemiológica 10, os casos de dengue caíram, o que pode sugerir uma possível subnotificação, visto que exatamente nesse período, é esperado o aumento no número de casos (MASCARENHAS ET AL., 2020).
De acordo com o informe no combate ao coronavírus da câmara municipal de São Paulo, até junho, pacientes apresentando dores no corpo, febre, dor de cabeça e outros sintomas mais leves, não deveriam procurar serviços de saúde por questões de segurança (evitar a contaminação pelo novo coronavírus, e também para não sobrecarregar o sistema de saúde). Como a febre da dengue sem sinais de alerta pode ter apresentação branda, essa orientação pode ter mitigado possíveis casos de dengue.
Fonte: NEWSLAB