A sepse é uma causa frequente de morbidade e mortalidade em crianças. As diretrizes para sepse em pediatria destacam que o reconhecimento e o tratamento do choque devem ser precoces, enfatizando que um tempo mais curto para reversão do choque está associado a melhores resultados.
Em 2014, o American College of Critical Care Medicine (ACCM) lançou diretrizes que recomendaram o uso de sinais clínicos para direcionar a indicação de medicamentos vasoativos de acordo com o tipo de choque, por exemplo: inotrópicos para baixo débito cardíaco/alta resistência vascular sistêmica (choque frio) e vasopressores para alto débito cardíaco/baixa resistência vascular sistêmica (choque quente). Entretanto, as diretrizes recentes da Pediatric Surviving Sepsis Campaign (PSSC), lançadas em fevereiro de 2020, ressaltaram que esses sinais clínicos podem não refletir a fisiologia cardiovascular subjacente, isto é, muitos pacientes com choque frio aparente têm baixa resistência vascular sistêmica, enquanto aqueles com choque quente apresentam diminuição do débito cardíaco devido à disfunção miocárdica.
Para determinar o nível de concordância entre os sinais clínicos do tipo de choque, identificar quais sinais os médicos priorizam para determinar o tipo de choque e selecionar medicamentos vasoativos, além de testar a associação do tipo de choque (incompatibilidade vasoativa com disfunção orgânica prolongada ou morte), pesquisadores da Filadélfia, Estados Unidos, realizaram um estudo observacional retrospectivo sobre sepse em pediatria, recentemente publicado no jornal Pediatric Critical Care Medicine.
Metodologia
O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Children’s Hospital of Philadelphia (CHOP). Foram incluídos pacientes com menos de 18 anos de idade submetidos ao protocolo de sepse do CHOP, no período entre 1° de dezembro de 2012 e 1° de dezembro de 2016. Os dados foram obtidos através de prontuário eletrônico.
A documentação de sepse em pediatria no prontuário incluiu a cada 15 minutos durante a primeira hora e depois, pelo menos, de hora em hora:
- Cinco sinais clínicos comuns de choque — temperatura das extremidades, enchimento capilar, amplitude de pulso, pressão do pulso e pressão arterial diastólica;
- Tipo de choque — quente, frio ou nenhum.
Todos os pacientes elegíveis foram incluídos na análise do nível de concordância entre os sinais clínicos e o tipo de choque. Para o subconjunto que teve início de medicamentos vasoativos após a categorização do tipo de choque à beira do leito, os pesquisadores classificaram cada paciente como uma combinação vasoativa do tipo de choque ou incompatibilidade com base em sinais clínicos comuns referenciados pelas diretrizes do ACCM de 2014. Os pesquisadores permitiram que o vasoativo determinasse a documentação do tipo de choque em até 30 minutos para compensar os atrasos na documentação, enquanto limitaram o tempo esperado para que o medicamento vasoativo influenciasse o tipo de choque.
Para considerar a mudança de recomendação de adrenalina ao invés de dopamina para o tipo de choque indeterminado de acordo com as diretrizes do ACCM de 2014, os pesquisadores descreveram uma variável chamada “coorte de tempo” com pacientes tratados entre 1° de dezembro de 2012 e 31 de janeiro de 2016 como pertencente ao período “dopamina” e entre 1º de fevereiro de 2016 e 1º de dezembro de 2016, como “adrenalina”.
A concordância entre os sinais clínicos (temperatura das extremidades, enchimento capilar, amplitude de pulso, pressão de pulso e PAD) foi medida usando o coeficiente k de Fleiss e de Cohen. A associação dos sinais clínicos com o tipo de choque e incompatibilidade vasoativa do tipo de choque, isto é, choque frio tratado com vasopressor ao invés de inotrópico, por exemplo, foi determinada usando regressão logística multivariável.
Resultados
Os pesquisadores observaram que, dos 469 pacientes incluídos no estudo, os médicos determinaram que 307 (65%) tiveram choque quente e 162 (35%) tiveram choque frio. A idade média dos pacientes foi de 4,5 anos e o escore do risco de mortalidade PIM-3 (Pediatric Index of Mortality-3) foi de 1,6%. A concordância dos médicos em todos os sinais clínicos foi baixa (κ, 0,25), embora a concordância entre a temperatura da extremidade, o enchimento capilar e o pulso fosse melhor do que com a pressão de pulso e PAD. Apenas a temperatura das extremidades (odds ratio ajustada [ORa] 26,6), enchimento capilar (ORa 15,7) e pressão de pulso (ORa 21,3) foram associados ao tipo de choque documentado pelo médico. Dos 86 pacientes que receberam medicamentos vasoativos de acordo com o protocolo, o tipo de choque foi discordante do medicamento (κ, 0,14) e a incompatibilidade do tipo de choque não foi associada a curso complicado (ORa 0,3).
Conclusões
Os pesquisadores descreveram que houve boa concordância entre apenas três dos cinco sinais clínicos comumente usados para atribuir o tipo de choque séptico em pediatria: temperatura das extremidade, enchimento capilar e amplitude de pulso. Esses três sinais também demonstraram a associação mais forte com o tipo de choque atribuído, sugerindo que os médicos os priorizaram em relação à pressão de pulso e à PAD. Embora o tipo de choque clinicamente atribuído não pareça conduzir a seleção de vasoativo inicial para a maioria dos pacientes, principalmente aqueles com choque quente, a incompatibilidade entre o tipo de choque e o medicamento vasoativo não foi associada a piores resultados clínicos. Os pesquisadores destacam que esses resultados apoiam as recomendações recentes da campanha PSSC, de que os sinais clínicos não devem ser usados isoladamente para categorizar o tipo de choque. Entretanto, pesquisas adicionais são necessárias para identificar a abordagem ideal para a avaliação hemodinâmica precoce em pediatria.
Fonte: PEBMED