Para Kate McHenry, um simples copo d’água carrega um fedor horrível. Tomar banho se tornou uma experiência quase insuportável.
“Meu xampu favorito agora tem o cheiro mais desagradável do mundo.”
Após ficar doente em março com suspeita de covid-19, McHenry, de 38 anos, passou quatro semanas sem conseguir sentir cheiro algum. Depois, começou a recuperar lentamente o olfato.
Só que, em meados de junho, as coisas “começaram a ter um gosto muito estranho” com odores naturais substituídos por um “fedor horrível”.
A mudança transformou a vida de Kate. Ela perdeu peso, passou a lidar com ansiedade e se afastou de prazeres como comer, beber e socializar. O problema a afeta tanto que em lugares onde há preparo de comida ela diz sentir um cheiro insuportável.
Ela teme passar o resto da vida com seu olfato distorcido.
“Eu amo comer, sair para restaurantes, beber com meus amigos, mas tudo se foi. Carne tem gosto de gasolina, e prosecco, de maçã podre. Se meu parceiro, Craig, come algo com curry, seu cheiro passa a ser horrível, sai por todos os poros dele e não consigo mais ficar perto.”
“Eu me irrito à noite quando cozinho. Craig me pergunta o que tenho vontade de comer, e eu me sinto mal porque não há nada que eu queira. Eu sei que tudo vai ter gosto horrível. O impacto disso na minha vida é enorme, estou apavorada de ficar assim para sempre.”
Pessoas com covid-19 perdem o olfato, quadro conhecido como anosmia, porque o vírus danifica o tecido e as terminações nervosas do nariz. A parosmia, com cheiros distorcidos, pode ocorrer quando os nervos começam a crescer novamente, e o cérebro se torna incapaz de identificar bem os cheiros de verdade.
Essa condição de saúde é normalmente associada a resfriados comuns, crises de sinusite e lesões na cabeça. Quem sofre de parosmia consegue, em geral, sentir cheiros de coisa queimada, fumaça de cigarro e carne podre. Em casos mais graves, esses odores provocam enjoo e vômito.
Ainda que alguns profissionais de saúde considerem a parosmia um sinal de recuperação do olfato, o retorno pleno do sentido pode levar anos para passar.
Para Pasquale Hester, que também sofre com isso, a pasta de dente é um dos seus novos pesadelos. O gosto habitual da substância faz com que ele vomite, e por isso ela passou a escovar os dentes com sal, que não está distorcido em seu sentido.
Como muitos dos infectados pela covid-19, ela demorou semanas para começar a recobrar o olfato depois de adoecer com o vírus. Só que, em junho, ela percebeu que o cheiro do curry estava diferente.
“Eu comecei a comer papadum (pão frito fino, também conhecido como paparis), mas tive que cuspir na hora por causa do gosto de tinta. Algumas coisas são mais suportáveis do que outras”, diz Hester, de 34 anos. “Café, cebola e alho são os piores. As únicas coisas que tenho conseguido engolir têm sido ervilha e queijo.” Ela diz não desejar isso para seu pior inimigo.
A estudante de direito Brooke Jones, 20, começou a apresentar sintomas associados à covid-19 em abril. Ela descreve que todos os cheiros lhe parecem agora “carne podre com um toque de alguma coisa que vem da fazenda”. Mas há uma lista de “comidas seguras” que ela pode tolerar, como waffles, pepino e tomate. Todo o resto é desagradável.
“Agora eu tento imaginar como seriam os gostos das coisas. Quando peço comida chinesa, mesmo que não me dê prazer algum, tento me convencer de que não é tão ruim.”
Centenas de milhares de pessoas sofreram com anosmia, que é a perda do olfato, mas não há estimativa para a quantidade de afetados pela parosmia, com cheiros distorcidos.
Claire Hopkins, presidente da Sociedade Britânica de Rinologia (BRS, na sigla em inglês), afirma que há uma ampla percepção equivocada de que a perda do olfato pelo vírus tem vida curta.
“Sim, há uma boa chance de recuperação, mas há diversas pessoas que perdem o olfato por bastante tempo, e o impacto disso tem sido completamente menosprezado.”
Cheiros desempenham um papel importante na memória, no humor e nas emoções, e aqueles que sofrem com isso se descrevem isolados, afirma Hopkins.
só casos extremos demandam tratamento, na forma de um medicamento antiepiléptico.
Hopkins, da BRS, defende mais capacitação e orientação para profissionais de saúde na linha de frente do cuidado com pacientes de covid-19.
No Reino Unido, pacientes com esse quadro de saúde tem recebido apoio da AbScent, instituição de caridade voltada para pessoas com perda do olfato, que criou, com ajuda da BRS, um guia de informações relacionada à covid-19, incluindo detalhes sobre quais alimentos comer e como treinar o olfato.
O fundador da entidade, Chrissi Kelly, afirma que “o mais importante para as pessoas é ver que os outros estão no mesmo barco e poder compartilhar abertamente em um grande diálogo” no grupo de Facebook que eles criaram para auxiliar quem foi afetado.
“Quando tento explicar o que estou passando, algumas pessoas pensam que é divertido e fazem até uma piada, que pelo menos não consigo sentir o cheiro de coisas ruins. Sei que os efeitos da covid-19 poderiam ter sido muito piores, mas é assustador que ninguém seja capaz de dizer quando ou se vou melhorar”, diz a estudante Brooke Jones.
Fonte: BBC News.