A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 na infância tem se comportado de maneira distinta da observada em adultos. O número de crianças acometidas é menor e, além disso, a maioria das crianças permanece assintomática ou desenvolve sintomas brandos. Descobrir a causa destas diferenças tem motivado pesquisadores em todo mundo. O artigo Coranavirus Disease 2019: Understanding Immunopathogenesis Is the “Holy Grail” to Explain Why Children Have Less Severe Acute Disease sugere que, para respondermos essa questão, precisamos compreender a imunopatogênese da doença pelo coronavírus de 2019 (Covid-19). Trata-se de uma carta ao editor da revista Pediatric Critical Care Medicine com pontuações relevantes referentes a uma publicação anterior — Coronavirus Disease 2019 in Critically Ill Children: A Narrative Review of the Literature, de Ong e colaboradores.
Os autores reconhecem, entretanto, que a variação da expressão e atividade dos ACE 2 com a idade e seu impacto na doença são importantes lacunas de conhecimento na compreensão da Covid-19 na infância. Além disso, também destacam a importância da coinfecção do SARS-CoV-2 na infância com outros patógenos respiratórios como Influenza A/B, vírus sincicial respiratório e Micoplasma.
Contribuições da carta ao editor de Lanziotti e colaboradores
Os autores da carta ao editor reforçam que, embora os dados trazidos pela revisão sejam importantes para a compreensão das diferenças observadas entre crianças e adultos infectados, é de extrema importância entender o motivo pelo qual crianças apresentam menos linfopenia, neutrofilia, marcadores inflamatórios mais baixos e menor desregulação imune. Uma possível explicação seria a potenciação dependente de anticorpos (do inglês antibody depedent enhancement, sigla ADE).
Nesta resposta imunológica, os anticorpos formam um complexo com o vírus, facilitando e intensificando sua entrada na célula e perpetuando inflamação, tempestade de citocinas e linfopenia. Este mecanismo imunopatogênico é mediado por células B de memória e anticorpos pré-existentes e é bem descrito em outras doenças como a dengue. Apesar da proteína de superfície do SARS-CoV-2 apresentar pouca homologia com outros coronavírus humanos envolvidos em endemias anteriores, existem outras proteínas virais que podem apresentar elevada semelhança. Tal fato torna possível que indivíduos tenham altos títulos de anticorpos capazes de formar os complexos imunes com o SARS-CoV-2.
A ADE poderia explicar o maior nível de marcadores inflamatórios e a linfopenia nos casos mais graves. Os autores citam um trabalho onde foram avaliados 200 pacientes com doença respiratória por coronavírus humanos entre 2009 e 2013 com a observação de que títulos de anticorpos anticoronavírus são maiores em adultos mais velhos. Curiosamente, estes são os indivíduos que evoluem com maior gravidade quando infectados pelo SARS-CoV-2.
Reação cruzada
Os autores sugerem, então, que altos títulos de anticorpos anticoronavírus podem desempenhar reação cruzada na resposta ao SARS-CoV-2, aumentando o risco de doença grave. A ADE também auxilia a compreensão da Covid-19 na infância. Segundo os autores, os quadros mais brandos observados em crianças poderiam ser justificados pela sua imunidade adaptativa imatura, o que dificultaria o desenvolvimento da ADE. Por outro lado, como poderiam ser explicados os quadros mais graves observados em menores de 1 ano quando comparados com crianças mais velhas? Neste caso, é possível que os anticorpos maternos sejam os responsáveis pela ADE.
Outro argumento utilizado pelos autores para explicar a diferença entre adultos e crianças é a maior possibilidade de coinfecção com outros patógenos respiratórios observada na infância. Eles extrapolam a discussão ao sugerir que estes microrganismos, quando presentes em associação com o SARS-CoV-2, poderiam prejudicar a sua proliferação. Nesse caso, a infecção cursaria com menor carga viral e consequente menor severidade nesta faixa etária.
Mensagem final
Embora mais estudos sejam necessários, comparar a resposta imune de crianças e adultos parece ser o caminho para elucidar a imunopatogênese da infecção pelo SARS-CoV-2. Esta compreensão é de suma importância para identificar um tratamento adequado, assim como para desenvolver uma vacina altamente imunogênica e com baixo risco de ADE.
Fonte: PebMed| Autora: Pâmella Nowaski Lugon