Coronavírus: Os brasileiros que pesquisam vacina contra a covid-19 usando a BCG

Pesquisadores no mundo todo correm contra o tempo em busca de uma vacina contra covid-19

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Existem hoje cerca de 140 projetos de desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre eles, uma iniciativa de um grupo de pesquisadores brasileiros tem como base a vacina BCG contra a tuberculose, já testada e usada por bilhões de pessoas em todo o planeta.

A pesquisa é feita em conjunto pelas universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Santa Catarina (UFSC), pelo Instituto Butantan, de São Paulo, e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Doenças Tropicais (INCT-DT). O trabalho tem a colaboração da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do Instituto Karolinska, na Suécia.

“A ideia é fazer com que a bactéria usada para fazer a BCG (para a primeira doença) produza proteínas — antígenos, como chamamos — do vírus SARS-CoV-2 e com isso imunizar as pessoas contra ele”, diz.

A tuberculose é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis. A vacina contra ela é feita, no entanto, a partir de outra espécie, a Mycobacterium bovis, que, como o nome sugere, ataca bovinos.

“Mas as suas cepas mais virulentas também podem infectar o ser humano”, diz Oliveira. “Para fazer o imunizante, ela é atenuada, enfraquecida.” Então, ela passa a se chamar bacilo Calmette-Guérin, daí o seu famoso nome, BCG.

O projeto da vacina contra a covid-19 começou em março, baseado nas pesquisas que o grupo realizava anteriormente com a BCG.

Oliveira diz que estudos recentes realizados em outros países demonstraram que indivíduos que foram imunizados contra a tuberculose e que vieram a contrair a covid-19 não desenvolveram a forma mais grave da doença. “Isso sugere que a BCG pode ser utilizada no combate à covid-19, por meio de uma vacina dupla como nós estamos pretendendo”, explica.

Um artigo publicado em maio na revista científica Nature Reviews Immunology aponta que “estudos ecológicos sugerem que países e regiões que obrigam a vacinação da BCG para sua população têm um número de infecções e uma mortalidade reduzida da covid-19. Embora isso possa sugerir um efeito protetor da vacinação da BCG, tais estudos não proveem prova definitiva de causalidade”.

O Brasil, por exemplo, tem uma alta cobertura de vacinação pela BCG, e ao mesmo tempo é o 2º país com o maior número de casos e mortes por covid-19 no mundo – mas isso, segundo especialistas, pode ter relação com a baixa taxa de isolamento social, com as desigualdades sociais do país e com a dissonância entre as recomendações de saúde feitas por diferentes entes de governo.

Oliveira afirma que os pesquisadores irão clonar genes do novo coronavírus e irão introduzi-los no bacilo Calmette-Guérin, para que ele passe a produzir proteínas do agente causador da covid-19 e, assim, imunizar as pessoas quando elas forem vacinadas.

De acordo com ele, essa abordagem apresenta várias vantagens, dentre as quais duas se destacam.

“A primeira é que o imunizante usado hoje para controle da tuberculose é extremamente seguro”, explica.

“Ele já vem sendo utilizado há décadas em diversos países e bilhões de indivíduos já foram imunizados sem nenhum efeito colateral ou adverso. Então, a biossegurança dele é uma das grandes vantagens.”

Aliado a isso, Oliveira lembra que a BCG está dentro do programa de vacinação do Ministério da Saúde. “Isto é, nós, brasileiros, já a tomamos normalmente.”

Esperando verbas

Embora o projeto tenha sido aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a equipe ainda não recebeu os recursos.

“Nós estamos tocando o trabalho com outras verbas, porque sabemos da importância dessa pesquisa”, conta Oliveira.

“O que esperamos é que o governo possa ajudar com mais financiamentos para desenvolvimento desse projeto e outros semelhantes, de colegas na área de vacinas. Além disso, se o imunizante mostrar efeito positivo e induzir resposta imune em animais, vamos buscar parcerias com empresas privadas, como indústrias farmacêuticas, para podermos seguir com o projeto para a etapa de testes em seres humanos.”

Segundo Oliveira, a expectativa do grupo é de que a nova vacina não seja cara, porque é feita em cima da plataforma da BCG já existente, apenas com algumas modificações.

“Não seria uma alteração muito complexa no sistema de produção”, diz.

“Por isso, vislumbramos uma vacina com custo reduzido, que possa atingir as diversas populações tanto do Brasil como de outros países, e que possa também ser facilmente incorporada ao plano de vacinação anual do Ministério da Saúde.”

A BCG hoje é produzida pela Fundação Ataulfo de Paiva, no Rio de Janeiro, que é de direito privado sem fins lucrativos e de caráter filantrópico.

“Obviamente se essa vacina BCG-Covid-19 realmente se mostrar efetiva poderá ser produzida lá e também em outras instituições, como o Instituto Butantan e mesmo em laboratórios privados”, afirma Oliveira.

“Vai depender do financiamento de parte da pesquisa por laboratórios privados, para chegar até o ensaio clínico, pois realmente custa muito dinheiro testá-las em seres humanos.” A previsão do grupo é que os testes em animais comecem ainda neste ano, e com humanos em 2021.

Em relação a quem irá receber a vacina, Oliveira lembra que atualmente a BCG é preconizada pelo Ministério da Saúde em crianças de até 5 anos.

“Em relação, à dupla, tuberculose-covid-19, vamos estudar doses, melhor tipo de resposta imunológica e outras questões para ver como é que ela pode ser utilizada. Isso só vai ser definido mais pra frente, caso ela tenha sucesso”, adianta.

Quanto à distribuição para outros países no mundo e a logística que isso envolve, Oliveira diz que esta é uma resposta que o grupo ainda não tem. “Isso é uma questão bem mais à frente e nós só vamos começar a ter essa preocupação quando tivermos realmente dados mais sólidos e de eficiência pelo menos nos ensaios pré-clínicos em animais de laboratório”, explica.

Das cerca 140 vacinas que vêm sendo desenvolvidas no mundo, Oliveira diz acreditar que as mais promissoras e que devem ficar prontas mais rápido são a da Universidade Oxford, no Reino Unido, e uma da China.

“Essas duas estão mais à frente, porque já estão em fase três (teste em humanos)”, afirma.

“A da Universidade Oxford utiliza como vetor vivo o vírus do adenovírus, de chimpanzé, expressando antígenos do vírus da covid-19. A da China é com um vírus da covid-19 inativado, ou seja, morto, da mesma forma que é utilizado, por exemplo, para a de Influenza, que a gente toma normalmente (a vacina da gripe), que também usa um vírus inativado.”

A comparação entre essas vacinas e a do grupo brasileiro, diz Oliveira, só vai ser possível depois que a pesquisa chegar aos testes de eficácia em humanos.

“Eu acho que haverá vacinas complementares, uma vai estimular mais resposta humoral (um tipo de imunidade), outra mais celular, outra vai ter efeito imunológico mais duradouro. Mas essa avaliação só poderá ser feita quando tivermos os dados desses ensaios clínicos em mãos.”

Fonte: BBC news

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