Em um estudo que inicialmente focada em questões evolutivas — investigando protéinas que habitam na superfície das células, os denominados de receptores do ácido hidrocarboxílico (HCA) — pesquisadores alemães descobriram uma interpretação plausível para os benefícios da ingestão de bactérias lácteas ao organismo humano, tais como a de outros microorganismos. Os cientistas constataram ancestrais humanos e símios sofreram adaptações a nível celular possibilitaram a esses animais comerem alimentos não tão frescos, por exemplo como frutas muito maduras que tombaram das árvores por estarem maduras demais. Esse é o motivo, pelo qual a equipe acredita que conservamos os ganhos do consumo de lacticínio.
Os autores do estudo, publicado na última edição da revista Plos One, explicam que grande parte dos animais possue somente dois gêneros dos receptores de HCA, enquanto que, humanos e símios possuem três.
“Inicialmente, queríamos entender por que há um receptor ausente em todas as outras espécies, mas quando fomos analisar as substâncias conhecidas por ativá-lo, a pesquisa revelou um cenário incompatível com outros dados evolutivos observados” — Claudia Staubert, pesquisadora da Universidade de Leipzig, na Alemanha, e principal autora do estudo.
Ela e seu time perceberam que bactérias do D-feniláctico (um ácido lático), produzem um metabólito que estabelece uma conexão poderosa com o terceiro receptor do HCA, comunicando sua presença ao sistema imunológico.
“Voltando a uma publicação que mostrou que os metabólitos D-aminoácidos ativam o receptor, realizamos uma pesquisa maciça na literatura e vimos que as bactérias do ácido lático produzem esses metabólitos. Ou seja, encontramos um alvo molecular relevante para substâncias produzidas por bactérias lácticas” — conta a autora.
Os pesquisadores chegaram a conclusão de que esse terceiro receptor teria surgido a partir de um ancestral comum de grandes símios e humanos, o que permitiu a essas duas espécies ingerir alimentos que começaram a estragar.
“Além dos dados químicos, essa descoberta gerou uma hipótese evolutiva extremamente plausível” — enfatizou Staubert.
O médico gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (SBG), Bernardo Martins destacou que os resultados do estudo alemão são de extrema importância para a medicina, mesmo que tenha sido focada em evolução.
“Vemos que o consumo de alimentos com as bactérias lácteas trouxe benefícios importantes, como maior produção e absorção de energia. A possibilidade de poder consumir esses alimentos que já passaram do estágio maduro nos deu uma extrema vantagem: a maior disposição de nutrientes que, no passado, nos protegeu mais do que outros animais” — frisou Bernardo Martins.
Os dados, de acordo com Staubert, além de proporcionarem uma melhor compreensão da dinâmica evolutiva entre bactérios e humanos hospedeiros, apresentam novos caminhos para pesquisa no campo do entedimento dos diferentes mecanismos positivos de ação do consumo de alimentos fermentados.
“Estamos convencidos de que esse receptor, muito provavelmente, é responsável por alguns efeitos benéficos e anti-inflamatórios das bactérias do ácido láctico em seres humanos” — informa a pesquisadora — “É por isso que acreditamos que ele poderia servir como um alvo potencial para o tratamento de doenças inflamatórias.”
A equipe pondera que os próximos estudos irão colaborar para amplificar a potência terapêutica das bactérias lácteas no corpo humano. “Mais estudos poderão revelar novos detalhes importantes. Por exemplo, como o ácido D-feniláctico afeta o sistema imunológico e se esse metabólito também afeta as células de gordura, que também carregam o terceiro receptor de HCA em suas superfícies” — elucidou a cientista — “Isso tudo torna esse terceiro receptor um alvo muito interessante para o tratamento de doenças inflamatórias e metabólicas.”
O próxima passo da pesquisa será conceber o mecanismo exato que permite as células imunológicas responderem quando são ativadas pelo receptor e quais processos moleculares permeiam esse funcionamento. “Isso deve ajudar a revelar ainda mais a relevância do receptor como alvo terapêutico” — reforça Staubert.
O médico Bernardo Martins concorda que mais estudos devem ser feitos para que se chegue a uma utilização clínica em cima dos dados angariados. O profissional enfatiza a relevância das pesquisas relacionadas ao tema. “Cada vez mais, temos visto a importância da relação da flora intestinal com atividades pró-inflamatórias. Entender esse mecanismo pode ajudar a gerar tratamentos para doenças inflamatórias diversas, inclusive as crônicas, como Alzheimer e Parkinson, e também a obesidade” — medita o gastroenterologista — “Quem sabe será possível também criar estratégias de proteção. Por meio do equilíbrio dessas bactérias, poderíamos gerar maneiras de prevenir essas doenças”.
Presentes em vários produtos como o leite e o queijo, as bactérias lácteas constituem um grupo de microorganismo mais pertinentes à saúde. Ingerir essas bactérias contribui para a digestão, função imune, redução do colesterol, também auxilina na manutenção da saúde bucal e restringindo inflamações e processos alérgicos. Produtos como probióticos colaboram na manutenção a flora intestinal diversa, também apresentam essas bactérias em sua fórmula.
“Temos visto a importância da relação da flora intestinal com atividades pró-inflamatórias. Entender esse mecanismo pode ajudar a gerar tratamentos para doenças inflamatórias diversas, inclusive as crônicas, como Alzheimer e Parkinson” — Bernardo Martins, médico gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (SBG).
Fonte: Correio Braziliense.