Proteoma: O Próximo Passo Depois do Projeto Genoma?

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O Projeto Genoma

Cientistas de 19 países comemoraram no último dia 26 de junho o mapeamento do código genético, ainda não concluído, cuja catalogação final está prevista para 2003. Esta data foi apenas uma comemoração formal de um dos grandes passos da humanidade, a caminho de uma nova era da ciência. A conquista do genoma promete uma revolução na medicina, cujos resultados serão percebidos ao longo das próximas décadas. Um imenso esforço científico está sendo empreendido para conhecer os genes inscritos no DNA.

Os genes são estruturas químicas que determinam instruções responsáveis pelas características físicas individuais de cada um, como a cor dos olhos e a altura de cada indivíduo. Também produzem proteínas indispensáveis ao funcionamento do corpo, dentre elas, as enzimas que participam na digestão dos alimentos, no estômago e no intestino. Os genes defeituosos desequilibram o organismo e podem causar doenças. Com a chave do código, os cientistas esperam compreender o processo que gera tais males, para então desenvolver exames diagnósticos e tratamentos, havendo também a esperança de cura, pela substituição dos genes anormais.

As Proteínas

Alguns cientistas acreditam que a genética não trará todas as respostas, visto que os processos orgânicos estão na dependência de outras substâncias, como as proteínas, que exercem papéis essenciais em virtualmente todos os processos biológicos, sendo elas que determinam o padrão de transformações químicas dentro das células. As proteínas são intermediárias de uma ampla faixa de funções, tais como: o transporte e armazenamento de algumas substâncias dentro das células, por exemplo, a hemoglobina que transporta oxigênio pelo sangue; o movimento coordenado dos músculos, visto que as proteínas são os principais componentes destes; a sustentação mecânica, devido à presença do colágeno que dá resistência à pele e aos ossos; a proteção imunológica, porque os anticorpos são as proteínas responsáveis pela defesa do organismo; a geração e transmissão de impulsos nervosos, pois os receptores das células nada mais são do que proteínas e por fim, o controle do crescimento e da diferenciação celular, já que a expressão seqüencial e controlada da informação genética é essencial para o crescimento e diferenciação das células e essa ação é controlada pelas proteínas repressoras do DNA, do qual apenas uma pequena fração se expressa a cada momento, em cada célula.

Diante de tudo isso, muitos pesquisadores acreditam que o estudo das proteínas – o proteoma – seja o próximo passo, depois do projeto genoma. Com o objetivo de mostrar a importância do estudo das proteínas, um artigo escrito por Jane Bradbury na revista Lancet(edição de 1º de julho de 2000), apresenta a opinião de vários pesquisadores a respeito desse tema, e explica algumas das pesquisas já existentes sobre as proteínas.

O estudo

De acordo com Julio Celis (Danish Centre for Human Genome Research, Aarhus, Dinamarca), que é um dos pesquisadores do projeto genoma, para se realmente entender a biologia humana, é necessário saber sobre as proteínas, pois são elas que de fato fazem as células funcionarem.

O Dr. Denis Hochstrasser (Swiss Institute of Bioinformatics, Genebra, Suíça), que vem investigando a estrutura das proteínas há mais de 20 anos, acredita que o proteoma – o completo grupo de proteínas expresso na célula durante sua existência – é muito mais complexo do que o Genoma. Segundo ele, o DNA é formado apenas por quatro nucleotídeos (subunidades formadoras de cada molécula de DNA), enquanto que a proteína é formada por no mínimo 20 aminoácidos (subunidades formadoras das proteínas), algumas das quais podem ser modificadas. E mais, cada tipo de célula expressa um diferente modelo de proteínas, que pode mudar a cada momento.

O Dr. Ruedi Aebersold (University of Washington, Seattle, WA, Estados Unidos), acredita que há questões que precisam ser resolvidas, referentes à abundância, à dinâmica e à ativação das proteínas e à sua interação umas com as outras. Segundo ele, ainda não existe uma estratégia ou um experimento que possa responder a todas essas questões.

Já existe um método padrão para se estudar as proteínas – a eletroforese em gel – na qual uma amostra de células é selecionada e preparada, então esta amostra é separada em proteínas individuais (quando são colocadas para correr no gel, sob uma corrente elétrica), por fim, os padrões de proteínas obtidos são comparados, e sua estrutura é estudada pela espectrometria. Mas, segundo o Dr. Robert Burns (Oxford GlycoSciences [OGS], Abingdon, UK), este processo é insuficiente, e precisa ser melhorado para se obter os resultados desejados.

Mas o que poderia ser feito com as informações obtidas do proteoma? O Dr. Hochstrasser acredita que essas informações poderão permitir aos patologistas conhecer o interior das proteínas, e com isso, poderão aperfeiçoar os métodos diagnósticos e prever a evolução das doenças. Ele acredita também, que uma catalogação das proteínas irá permitir uma melhor seleção dos marcadores de doença e objetivar melhor os tratamentos.

Alguns pesquisadores já estão estudando aplicações do proteoma, como o Dr. Celis, que estuda o câncer de bexiga. Ele e seus colaboradores estão estudando marcadores presentes em cerca de 1.500 amostras de tumores. Ele sabe que identificar esses marcadores é apenas o primeiro passo, e que futuramente esses achados serão importantes para o diagnóstico, tratamento e evolução da doença.

Outro pesquisador que está estudando os marcadores de câncer nas células é o Dr. Sam Hanash (University of Michigan, AnnArbor, MI, Estados Unidos). Além dos estudos das proteínas, ele também estuda o RNA, que é a estrutura responsável pela expressão do DNA em proteínas. Ele acredita que pelo fato dessas duas estruturas caminharem juntas, o estudo das duas é complementar.

Outros projetos estão sendo desenvolvidos na procura de marcadores do câncer, sendo que já estão sendo estudados o câncer de fígado, o câncer de intestino, a leucemia e o câncer de mama. Mas o câncer não é a única área que promete crescer com o estudo do proteoma. Um projeto vem sendo desenvolvido pelo Dr. Mike Dunn (do Imperial College Schoool of Medicine, London, UK), em colaboração com o Proteoma Science (Cobham,UK), no qual os pesquisadores estão estudando marcadores relacionados à rejeição do transplante cardíaco.

Conclusão

Em conclusão, fica estabelecida a necessidade da criação de um projeto proteoma em complemento ao projeto Genoma. Mas, segundo o Dr. Hochstrasser, isso não será fácil, pois são mais de 250 tipos de células diferentes no corpo humano, e cada uma delas expressa diferentes subtipos de proteínas, em cada momento, sob determinadas condições. Segundo ele, a complexibilidade é inacreditável. Em fim, ele acredita que em dez anos seja possível obter o proteoma de algumas células específicas, mas a catalogação do proteoma humano completo é impossível de se prever para quando estará pronta.

Fonte: Boa Saúde Lancet 2000; 356: 51-54

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