Persistência do zika vírus em fluidos corporais: pensando além da viremia

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Apesar de conhecido desde 1947, o zika vírus (ZIKV) tornou-se alvo de atenção mundial após as epidemias ocorridas em 2015 no Brasil e em outros países da América. Ainda hoje, novas descobertas estão sendo feitas em relação às características únicas dessa infecção, seus potenciais efeitos deletérios e seu poder de disseminação.
Diferente das demais arboviroses, a infecção por ZIKV está associada a outras formas de transmissão além da tradicional transmissão vetorial, destacando-se as transmissões vertical e sexual.

Material genético viral pode ser detectado no sangue, urina, sêmen e outros fluidos corporais, mas a frequência, a duração e a cinética dessa detecção ainda são pouco conhecidas. A transmissão por via sexual tem sido mais comumente associada a homens sintomáticos transmitindo a infecção para suas parceiras, mas transmissão a partir de homens assintomáticos, do contato sexual de homens com homens, de mulheres para seus parceiros e possivelmente a partir de sexo oral também já foram descritas.

A infecção congênita também é uma particularidade da infecção por zika. Alterações neurológicas congênitas graves, como microcefalia, podem ocorrer nos fetos de mulheres que contraem a infecção durante a gestação, principalmente se a doença se dá no primeiro trimestre. A possibilidade de transmissão sexual e infecção congênita aumentam a importância em se conhecer o comportamento do vírus em outros fluidos corporais que não o sangue, o que permitiria maior embasamento para recomendações de práticas de prevenção. O estudo ZIKV Persistence (ZiPer), cujos resultados finais foram publicados recentemente na New England Journal of Medicine, traz alguns resultados em relação a esse aspecto.

O ZiPer foi um estudo de coorte realizado em Porto Rico que envolveu indivíduos de todas as idades com infecção aguda por ZIKV comprovada por meio da detecção de RNA viral pela técnica de PCR-RT. Amostras de sangue, urina, saliva, sêmen e swabs vaginais foram coletadas semanalmente no primeiro mês e com dois, quatro e seis meses de seguimento e enviadas para detecção de RNA viral. Além disso, sorologias para detecção de anticorpos IgM anti-ZIKV também foram realizadas para avaliação da prevalência de soroconversão. Dos 295 indivíduos participantes, 280 eram sintomáticos e, destes, 88% foram incluídos no estudo ainda dentro da primeira semana de sintomas.

Anticorpos IgM anti-ZIKV foram detectados pelo menos em uma amostra de sangue em 284 de 294 (97%) dos participantes. RNA viral foi encontrado em pelo menos uma amostra sérica em 251 de 284 indivíduos (88%), com detecção em mais de uma amostra em 56 (20%). O tempo médio para que o material genético não fosse mais detectado foi de 15 dias a partir do início dos sintomas (IC 95% = 14-17 dias). Já na urina, RNA viral foi detectado em pelo menos uma amostra de 136 de 231 participantes (59%), com tempo médio para negativação de 11 dias (IC 95% = 9-12 dias). A positividade das amostras de saliva e secreção vaginal foi menor do que a do sangue e urina em todos os momentos, sendo de 5 e 2%, respectivamente.

Dos 191 homens elegíveis para o estudo, 94 (80%) forneceram pelo menos uma amostra de sêmen para análise, dos quais 48 (51%) apresentaram pelo menos uma amostra positiva para detecção de RNA viral. O tempo médio para perda de positivação foi de 42 dias, sendo que, ao final de 90 dias do início dos sintomas, 11% ainda possuíam RNA detectável no sêmen.

Os resultados mostram que, entre os participantes do estudo, metade possuía RNA viral detectável na urina por pelo menos 1 semana após o início dos sintomas, pelo menos duas semanas no soro e mais de 1,5 mês no sêmen, enquanto 5% ou menos persistiam com detecção viral após cinco semanas, seis semanas e quatro meses na urina, soro e sêmen, respectivamente.

Apesar da detecção de material genético ter sido encontrada por tempo prolongado no sêmen, o tempo máximo de detecção de vírus a partir de isolamento em cultura foi de 38 dias. Ao mesmo tempo, casos documentados de transmissão sexual mostram que o período de maior risco são as primeiras duas semanas de sintomas e o maior período documentado em que ocorreu transmissão foi de 44 dias. Esses dados sugerem que o RNA viral pode não ser um bom correlato de infectividade e que o tempo em que um indivíduo permanece como potencial fonte de transmissão pode ser menor do que se considerava anteriormente.

Esses dados reforçam as evidências de que material genético do ZIKV pode ser encontrado por tempo prolongado não só no sangue, mas também em outros fluidos corporais de pacientes infectados. Novos estudos ainda são necessários para se entender completamente o comportamento dessa doença a fim de se estabelecer medidas mais eficazes para sua prevenção e controle.

Outros pontos de destaque:

  • Houve uma alta positividade na sorologia para anticorpos anti-ZIKV IgM no estudo. Entretanto, pela possibilidade de reação cruzada, a sorologia não é considerada um bom método diagnóstico em áreas em que há circulação simultânea de outros flavivírus, como o vírus da dengue.
  • O CDC considera a realização de PCR-RT como padrão-ouro para diagnóstico de infecção por ZIKV. Soro e urina são as amostras clínicas de escolha para análise.
  • Os resultados do ZiPer levaram à revisão do guideline do CDC em relação à prevenção de transmissão sexual. A recomendação atual é que homens com possível exposição ao ZIKV não tenham relações sexuais sem uso de preservativo por um período de três meses (recomendações anteriores estabeleciam um período de seis meses).
  • Da mesma forma, o CDC recomenda que mulheres infectadas ou expostas ao ZIKV evitem engravidar por um período mínimo de oito semanas após o início dos sintomas ou da última exposição.

Fonte: PEBMED

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